Quando a saudade termina



Dia desses, dirigi-me ao aeroporto para esperar alguém que amo imensamente. Tendo eu chegado lá com quase uma hora de antecedência à chegada do voo (já que chegava de madrugada e eu tive medo de não despertar a tempo de chegar ao aeroporto, acabei acordando muito mais cedo, daí resolvi ir logo pra lá com um livro na mão e garantir que não deixaria de receber meu aguardado amor), sentei-me e pus-me a ler o livro que levara, Como ficar sozinho, do Jonathan Franzen. Ficar sozinho era a última coisa que eu queria ali, e logo eu percebi que não estava, por muitos motivos.

O primeiro deles era a pluralidade de pessoas ao meu redor. Logo ao sentar-me, duas pessoas se aproximaram e sentaram ao meu lado, uma delas tossindo muito, o que me desconcentrava da leitura. Antigamente, eu conseguia ler com o barulho de um ataque terrorista acontecendo ao meu lado, mas de uns tempos pra cá, só consigo ler ou escrever no mais absoluto silêncio. Coisas da idade. Mas divago... Essas mesmas duas pessoas passaram a conversar futilidades, enquanto também aguardavam alguém. Impaciente, e com medo de pegar o que quer que aquele rapaz tossindo tivesse a oferecer aos meus pulmões, levantei-me e fui para a frente do portão de desembarque.

Sem conseguir ler em pé com tanta gente indo e vindo, comecei a observar tudo o que me cercava: vi uma jovem a esperar ansiosamente alguém com quem encontrou-se logo em seguida, advinda de um voo anterior ao que eu aguardava, e dar-lhe um abraço apertado ainda através das placas de ferro de um metro e meio que separam os que chegam dos que esperam, vi uma avó brincar com seu neto, graciosa em suas caduquices. Vi um rapaz aguardando impacientemente alguém que certamente amava muito, tal seu estado emocional e nervosismo. 

Era gente de todas as formas e cores - um espetáculo rico em pluralidade.

(Lembrei-me imediatamente do programa que Astrid Fontenelle apresenta no GNT, que lida justamente com as peculiaridades das chegadas (e partidas). Um programa bem produzido, bonito de se ver, e que deve ter aumentado em muito as vendas de lencinhos de papel)

A palavra chegar, em português, advém do Latim PLICARE, que significa dobrar
Quando os barcos chegavam aos portos, usava-se a expressão plicare velam, ou seja, "dobrar, enrolar a vela". Não me admira, então, a ideia de que dobrar, ou enrolar a vela, seja exatamente a ideia de guardar

Quando o alguém que esperamos chega, dobramos a vela. Guardamos a pessoa dentro de um abraço, de um beijo carinhoso, de um aperto de mãos sincero, dentro de um olhar que registra o que a alma, e apenas ela, é capaz de enxergar: termina, ali, a saudade.

Foi quando compreendi que mais do que as partidas, que também são inerentes à vida, as chegadas é que marcam o começo de tudo. É o renascimento da fé, das certezas por vezes adormecidas dentro da gente. A chegada de um novo emprego, de uma surpresa, de um livro ansiosamente aguardado, de um amigo, um marido, uma esposa, um namorado, um irmão. São todas coisas que guardam, que encerram em si a ideia de que a vida é feita de luminosidade. A chegada de alguém ou alguma coisa que era esperada por nós cessa qualquer ideia de finitude ou temor, é como se, na vida, fosse introjetada ainda mais vida. É a certeza de que o que vale na jornada que fazemos enquanto aqui permanecemos, é mesmo o viver. E não existe nada mais extraordinário do que sentir-se (e ver-se) de braços abertos para receber o amor.

E, no meu caso, foi assim. Não fiquei de braços abertos, talvez pelo meu nível de ansiedade. Contudo, vi o amor chegar ao abrir de portas, e a luz adentrar na noite escura sob a égide da qual eu havia me dirigido até ali. Havia chegado, enfim. E foi lindo. E é assim que será, a cada novo dia que chegar. Se eu estava sozinho, já não estava mais.

Quando a saudade termina, é que começam os dias lindos.
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6 Comentarios "Quando a saudade termina"

  1. Tudo me desconcentra a leitura também. E eu não era assim. Meus dias lindos começaram há muito tempo e ainda, por sorte, não terminaram. Ando cada vez mais lenta na leitura, por conta disso. Mas não reclamo. Prefiro a vida que vivo que a vida dos livros. Abraços.

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  2. Que delícia de texto, Severo! Congrats! Eu também adorei!

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  3. Muito obrigado, amigo! Foi um arranjo escrito às pressas, mas com sentimento. Obrigado pelo carinho!

    E Nina -

    Que você ande mais lenta nas leituras por conta dos seus dias lindos... completamente justificável, né? Abraço forte, e obrigado pela visita!

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  4. Sem palavras até agora... 15 minutos depois de ter lido e quero dizer só uma coisinha: para o sentimento nao existe tempo ("arranjo escrito às pressas"...), tenho certeza que o que vc escreveu foi seu coração quem ditou e sua mão apenas colocou no papel, quer dizer, rsrsrsr, teclou para nós!
    Obrigada por esse texto arrebatador!!!

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  5. Marco!!!!! Vc se superou demais com esse texto! Fiquei muito emocionada, pois tem tudo a ver comigo, com as coisas que vivo!
    Muito forte! Alguns trechos são lindíssimos: essa coisa do guardar, do reter no coração, puxa vida, que coisa maravilhosa!
    Que grande escritor vejo aqui.
    Vou correndo completar meu comentário no email!
    Gde bjo!
    Adriana

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