Nêmesis, de Philip Roth

Nêmesis, de Philip Roth

A Companhia das Letras acaba de lançar o romance mais recente do Philip Roth, que era a minha aposta pro Nobel desse ano, que foi pra um poeta sueco que nunca teve livro nenhum traduzido no Brasil. Dane-se. 

Nêmesis é um dos livros curtos que Roth vem escrevendo nos últimos anos, e que fazem parte de um grupo de livros que deverão ser publicados num volume só em algum momento da vida editorial do autor. 

Como alguns devem saber, Nêmesis (do latim, "dar aquilo que é merecido") é a deusa grega da vingança, que jogava sua ira naqueles que sucumbiam à arrogância.

Pois bem: o livro trata da história de Eugene Cantor, ou apenas Bucky Cantor. Bucky é um garoto de 23 anos que faz todo o estereótipo do "gente boa": um cara descomplicado, irrepreensível, que cuida de quem cuida dele. Em outras palavras: já se sabe, pra quem conhece a obra do Roth, que ele será destruído de uma forma bem especial. Nascido de uma mãe que morreu ao dar a luz e de um pai viciado em jogo e em crimes, Bucky foi criado pelos avós, com quem aprendeu valores que ele não refuta nem questiona, como a crença em si e o senso de responsabilidade. Ele inclusive mora com a avó para cuidar dela. 

O ano é 1944, e tudo o que ele mais queria era estar na guerra, mas sua péssima visão faz com que ele seja dispensado, muito para sua tristeza. Um atleta por natureza e o primeiro membro da família a ir pra faculdade, é também um garoto devotado ao dever cívico - e a manter as relações sociais tranquilas - e à comunidade judia de Newark, Nova Jérsei (que é também onde Philip Roth nasceu), onde ele é professor de educação física e cuida de um playground, no que ele se sai muito bem, pois é adorado pelos alunos. Como se não bastasse, Marcia, sua namorada, é linda, inteligente e faz o tipo "pra casar".

A primeira metade do livro - que é curto, indo lá pelas duzentas e poucas páginas - coloca Bucky no meio de uma epidemia de pólio, que era uma ameaça gritante numa época em que não havia vacina. Inserido nesse meio, Bucky faz o que tem de ser feito como diretor do playground, enquanto vê os frequentadores do lugar caírem um a um, adoecendo ou morrendo. Mães se desesperam, enquanto, num outro tópico do livro, há rumores de que os judeus são os culpados pela epidemia. Em seus pensamentos, Bucky culpa um deus malevolente pelo que está acontecendo, e ele vê seu trabalho como sua segunda guerra particular.

Nesse ínterim, Bucky pede a mão de Marcia em casamento ao pai da moça, e quando as coisas parecem que não podem piorar, com várias famílias perdendo seus filhos, Marcia, sua futura esposa, liga da Pensilvânia, dizendo que surgiu um emprego no acampamento de verão onde ela se encontra trabalhando. Se ele for, eles haverá a possibilidade de eles estarem juntos numa ilha, à noite e sozinhos - um paraíso onde eles ficarão longe do inferno que vem acontecendo em Newark. Então Bucky, com seu sentimento de dever cívico diz que não, não vai, só para mudar de ideia um dia depois.

Conforme lhe foi prometido, ele encontra no acampamento um grupo de crianças alegres, felizes e pululantes, onde parece que tudo é lindo e perfeito. E é, até uma hora que deixa de ser, que é quando Roth traz o ato final para o qual vinha preparando o leitor. E essa parte eu deixo de fora, porque o livro precisa ser lido em sua plenitude de trama e temas, sem interferência.

Na parte final do livro, quando o narrador da história encontra-se com Bucky, o leitor compreende que a verdadeira catástrofe não foi o que aconteceu em 1944, nem mesmo o questionamento diante da nossa impotência diante da força das circunstâncias, mas sim a postura de Bucky diante das adversidades que a vida lhe apresentou. Tomado pela culpa, Bucky prefere culpar a si mesmo e ao universo por tudo o que a vida lhe trouxe. E aí reside a Nêmesis do protagonista.

Em outras palavras: leia o livro, e descubra porquê Roth é o melhor autor norte-americano em atividade no mundo de hoje.