Parar de ler: as relações de amor e ódio com os livros

Parar de ler: as relações de amor e ódio com os livros






É instintivo. Intrínseco, mesmo. 


Às vezes, embora eu continue apaixonado pelo objeto livro, detesto ler. E é assim, exatamente assim, que me encontro hoje.

O ato remonta a anos passados. Ainda criança, eu terminava um livro, já meio aporrinhado, pegava outro, começava, me chateava logo e colocava de lado. Pegava outro, a mesma coisa. Por essa época, eu achava que devia ter alguma coisa muito errada comigo. Como assim, o menino conhecido na escola por ser louco por livros, sem um livro? Era como se eu estivesse abdicando a alguma espécie de reinado. Mas acontecia. Era quando eu me esforçava, me forçava, até que aparecia algo que me chamava muito a atenção, e o amor pela leitura voltava.

Com o passar do tempo, fui compreendendo que esse tipo de relação se dá com tudo na vida: livros, amigos, lugares, amores. Virou parte da sua vida, pode anotar: uma hora você vai amar, noutra, vai querer mandar pra longe. Ou você vai querer correr pra longe, tanto faz. É assim que as relações vão se construindo, destruindo, ou simplesmente se deixando estar. Os altos e baixos são inevitáveis.

Mas veja bem: não deixei de falar sobre literatura, nem de discuti-la. Abandonei, por algum tempo, a leitura. O que não quer dizer que eu não vá insistir de novo daqui a alguns dias, se bem me conheço. Mas não me vejo conseguindo sentir esse amor assim, tão de súbito. E amor pra mim, se não seduz nem arrebata, fenece.

A verdade é que o cansaço dos afazeres tirou o sentido de certas coisas pra mim. Parece que quero me fechar em copas, com bem poucas coisas e pessoas (essenciais) perto de mim. Para todo o mais, fechado. Até segunda ordem, não adianta bater, ninguém entra.

Foi então que me veio a compreensão: é chegada a hora de dedicar à escrita o tempo que eu devoto à leitura. Dar vazão às próprias ideias, à criação pelo simples prazer de criar, de brincar de Deus, de soprar no barro e fazer dele gente, e ao final, obra lapidada, dizer também: Parla!

Alguns autores dizem que é impossível escrever se você não for um bom leitor. Eu sou. Sempre serei. Nesse momento, em abstinência, mas sempre serei. 

Há em mim essa dualidade, essa dicotomia que vai para além das explicações e rotulações possíveis. Sou o alegre e o triste. E, sobretudo, o ocaso, o crepúsculo, que surge com o fim de um dia, qualquer dia. Afinal, conceito este inventado apenas para vender calendários. Ainda mais isso, ter de aturar a abjeta noção de tempo, mais uma criação humana. Lógico.



Que vale viver cem anos e olhar pra trás e não enxergar dez sequer?


A intensidade do viver - jamais dimensionada pela irresponsabilidade e inconsequência - é o que conta. Esqueçamos o tempo. Contemos apenas com as boas companhias, bons amigos, um amor pra caminhar junto e te ajudar a crescer, e boas leituras, claro.


Leituras estas que me recuso a fazer, por enquanto.

Assim sendo, é hora também de concluir esta postagem. E ir fazer jus à decisão: entregar-me ao ato de criar.