A Árvore do Amor, um filme de Zhang Yimou

A Árvore do Amor, um filme de Zhang Yimou

 


Vinha ouvindo falar nesse filme através dos comentários de alguns amigos cuja opinião valorizo muito, a oportunidade pra eu ir ver o filme surgiu, pensei, Por que não, e fui.


A Árvore do Amor é um filme do celebrado diretor chinês Zhang Yimou, que dirigiu, entre outras coisas, Lanternas Vermelhas e O Clã das Adagas Voadoras, mais recentemente.


O filme se passa no período de Mao Tsé-Tung, por volta dos anos 60, e esse panorama, por si só, já é bem interessante. Descobre-se que durante a Revolução Cultural, promovida pelo governo de Mao, Jing é enviada para o campo, junto com vários colegas, para que seus "ideais burgueses" fossem liquefeitos através de uma vida modesta na labuta diária junto aos camponeses.


É nesse contexto que Jing conhece Sun, o homem sem defeitos (tratarei mais disso em breve). Sun trabalha num projeto geológico e mora junto a um rio que permeia toda a história, em tendas armadas próximas à casa dos camponeses. E é justamente na casa da família que hospeda Jing que Sun faz suas refeições. 


Dá-se início, então, a um romance de uma era que não volta mais. As palavras "pureza", "ingenuidade", e a expressão "a época da inocência" me passaram pela cabeça diversas vezes durante o filme. É um romance tímido, casto, quase inexistente.


Jing é filha de um intelectual, um "homem de direita", que está preso. Sua mãe, que era professora, agora é faxineira; a família sobrevive de forma miserável e Jing se torna a esperança da família, ou algo parecido, já que sua mãe não cansa de dizer que não tem esperanças. Assim, Jing não mede esforços para tornar-se professora e poder acalentar outros sonhos de que épocas melhores virão. 


Só que Sun tem uma condição melhor que a de Jing, e um romance com um rapaz como ele poderá trazer problemas na forma como o Partido enxerga Jing, que está onde está justamente pra se tornar alguém mais humilde. 


Naturalmente, isso não impedirá que o Amor entre os dois floresça. Usando-se de encontros às escondidas, Sun e Jing levam adiante esse amor travestido de amizade, e com a mesma pureza do início, dão continuidade às suas vidas. Sun está sempre por perto. Quando Jing menos espera, ele surge como um super herói, uma versão oriental dos heróis dos quadrinhos, quase. 


Mas algo acontece, então, e Sun desaparece. E quando ressurge, sua situação mudará a vida de ambos completamente.


O filme é de uma beleza estonteante. Assisti-lo faz o espectador ter vontade imediata de conhecer as cidades camponesas da China. Grandes campos abertos,  muito verde, muitas flores, e um tom bucólico que ao mesmo tempo é cheio de energia vital.


Algo que me incomodou muito durante o filme foi uma certa visão maniqueísta. O "Partido", representando tudo aquilo que é de mal, de demoníaco, e o amor de Jing e Sun, que representa todo o bem que possa existir no mundo. Sun é o homem mais-que-perfeito. Não demonstra uma única falha de caráter o filme inteiro, e parece ser lançado de detrás das câmeras para socorrer Jing a qualquer momento. Acabou por tornar-se um personagem inverossímil. 


De toda forma, é um filme belo e tocante, forte, pungente.


A árvore que dá título ao filme é um espinheiro que, segundo a lenda, dá flores vermelhos, por ter crescido sobre o sangue derramado dos heróis. Ao final do filme, a surpresa sobre a árvore. E a história é finalizada da mesma forma que começou: com a história dela. 


Trata-se de uma metáfora que nos traz uma nostalgia, uma vontade imensa de viver um amor como o de Jing e Sun. Saí do cinema com uma certeza: nem sempre o amor verdadeiro se realiza, mas se é possível? Sim, com certeza.
Stacey Kent ou Como se sente um homem ao encontrar um anjo

Stacey Kent ou Como se sente um homem ao encontrar um anjo

Quando digo que uma vida é pouco para descobrir e aproveitar tanta coisa boa que ela proporciona, ainda vejo espanto e interrogação no rosto de alguns. O que será que ele quer dizer com isso?, devem se perguntar. 

É preciso sensibilidade. Pra compreender que, ao se chegar num determinado ponto da vida, não há volta. Isso porque, quando se é muito jovem, tem-se aquela vívida sensação de que o tempo nunca passará. De que todos os ciclos em que nos metemos serão infinitos (namoros, faculdade, amizades...). E vivemos de pequenas lembranças, porque o tempo cronológico ainda é pequeno para se ter parâmetros. Ou para se compreender que a vida corre, e temos de cuidar pra que ela não escorra por entre os dedos do Tempo.

Assim, qual não foi minha surpresa ao descobrir a música de Stacey Kent. Pergunto-me onde estava todo esse tempo, que não sabia quem era ela. 

Nomeada para o Grammy, vencedora de vários prêmios que laureiam cantores de jazz, amante da música brasileira (que chegou a homenagear em vários de seus trabalhos, fazendo versões de músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, cantando o Brasil em Inglês, Francês... e Português, no seu mais recente álbum, ao vivo), Stacey Kent nasceu nos Estados Unidos há quase cinquenta anos. E é dessas vocalistas que embelezam a vida. Que enaltecem o fato de estarmos aqui, nesse lugar com tantos desafios, com tantas dores e achaques.

Stacey Kent veio para mim como uma surpresa dentro de uma surpresa. Conheci uma pessoa que me apresentou à sua obra, despertando assim o desejo. E do desejo realizado, momento de iluminação, vida. 

Tem como colaboradores o próprio marido, que compõe pra ela e toca na banda dela (e com quem ela está desde antes de ser cantora), o romancista Kazuo Ishiguro (autor de Vestígios do dia e Não me abandones jamais) e no seu último álbum, o poeta português Antonio Ladeira, que escreveu "O Comboio" pra que ela pudesse cantar em Português, dentre outras tantas pessoas de peso.

A primeira música dela que ouvi foi uma versão em Francês de "Samba da Benção", do Vinicius, que foi batizada de "Samba Saravah" (que você pode ouvir clicando aqui). Eu, amante que sou do poetinha, corri pra ouvir outras coisas.

Logo apaixonei-me por dois álbuns distintos: Breakfast on the morning tram, de 2007 e com o qual ela foi indicada ao Grammy (uma das músicas que mais gosto, Ces Petits Riens, você pode ouvir aqui) e, logo em seguida, fui arrebatado pelo álbum Raconte-moi, (Diga-me), de 2010, no qual ela canta uma música que já é linda desde o título: Les vacances au bord de la mer (Férias à beira-mar, que você ouve aqui), que é perfeita em tudo e pra tudo. Daquelas canções que se ouve apaixonado, solteiro, acompanhado, sozinho, nos bons e maus momentos. E é isso que traduz a arte, essa capacidade de ser plural, de transmutar-se em significados.





E é com esse prazer e essa alegria (e também essa pieguice) que concluo a resenha de hoje. Vou usufruir, ao largo, dos cinco álbuns que tenho aqui comigo. Longa vida a essa tão importante cantora do jazz contemporâneo, que, através de sua arte, é capaz de engrandecer a alma e tocar os corações. 


Ainda bem que te encontrei.




Stacey e o marido e produtor, Jim