Agora que todos tinham compreendido, sem nenhum
resquício de dúvidas, que Jason estava morto, decidiram reunir-se em um bar. O
fato de que eles compreendiam o que
havia acontecido não significava que eles podiam aceita-lo. Ou mesmo
compreende-lo por completo. O que
eles tinham agora era a prova de que ele não estava mais entre eles, até aí,
entendiam. Por que ele resolvera
tirar sua própria vida era uma questão completamente diferente, e isso seria
provavelmente um eterno enigma para todos eles.
Eles chegaram um por um, os olhos ainda marcados
pela dor, olhares que não sabiam exatamente onde se fixar. Alguns, tentavam
sorrir; outros não se importavam com essa conveniência social. Eles concordavam
em estar lá apenas pela memória que compartilhavam de quem Jason Worth havia
sido para eles, e nada mais que isso.
Susan deu início aos que mais tarde chamariam de
“a conversa”, mas isso não poderia estar mais distante da realidade. Ela havia
sido a melhor amiga de Jason, e daquele momento em diante, ela se dava conta de
que a vida tinha de prosseguir, ainda que para sempre um pouco pior do que ela
jamais vislumbrara.
“Então... – ela disse, tomando fôlego – Eu
gostaria de agradecer a todos vocês que se disponibilizaram para se fazer presentes
aqui hoje. Sei que alguns fizeram um enorme esforço para vir, pelo que
agradeço. Sei que a situação é complexa, árdua. Eu perdi um amigo – meu melhor
amigo. Outros perderam seu esposo,
pai, colega de trabalho, amante… O que não podemos nos permitir perder é a
esperança. Eu não acredito nessa bobagem de que ele está em um lugar melhor, em
um lugar cheio de luz, amor, ternura. Penso que essas coisas ou você atinge em
vida ou nunca mais. Não se pode dizer onde diabos ele está, mas uma coisa é
certa: ele não está aqui, e é por causa da nossa dor que nos reunimos.”
“Você acha que seremos capazes de falar sobre
isso? Catarse em grupo seria algo bom, uma vez que a única coisa que a maioria
de nós tem em comum aqui é Jason, que por acaso não está nem aqui para
compartilhar esse algo em comum?” – Evelyn, sua ex-esposa, disse friamente. Ela
tinha problemas com Helen, a mulher com quem Jason estava casado quando
resolveu partir antes de todo mundo.
“Se não conseguirmos colocar questões pessoais
de lado num momento como este, o que afinal isso diz sobre nós mesmos, com esse
comportamento de crianças que foram proibidas de brincar no playground?” – Carl
questionou. Ele não conhecia bem os outros, exceto Helen, mas sabia que talvez
fosse a voz neutra no meio da tormenta que ele via se aproximar, e foi por isso
que ele se manifestou. Ele achava que precisava fazê-lo. Jason e ele haviam
trabalhado juntos por muitos anos, ele precisava daquele diálogo para tentar
digerir o assunto, assim como para fazer jus à memória do colega. Eles se
amavam, e nada poderia fazê-lo entender o que houve de verdade.
O silêncio se estabeleceu à mesa. Até que a
última pessoa envolvida nessa história decidiu dar seu recado.
“Parece-me que uma conversa aqui, nesse momento,
é impossível. Que vergonha à memória de meu pai. ‘Percebe esse ambiente em que
você foi criada, Sarah?’, ele diria. Eu só posso enxergar que há muitas
cicatrizes do passado, e a coisa mais necessária aqui – falar sobre sua própria
forma de encarar a dor, procurar uma mão amiga num momento de necessidade –
está indisponível agora. Que triste. Mesmo assim, compreensível. Nós somos todos muito diferentes, com formas de
enxergar determinados acontecimentos de forma absolutamente particular. Muito
tempo já se passou, mas vocês ainda parecem ter muitas questões pessoais para
resolver. Provavelmente seria melhor se elas foram deixadas sem resposta,
pessoal. Do que adianta, a esse ponto? Portanto, eu tenho uma sugestão a fazer:
já que não conseguimos conversar, por que não escrevemos? A ideia é a seguinte: sugiro que todos nós escrevamos
uma carta para ele. Podemos falar
sobre nossa dor, expressar nosso sofrimento como se estivéssemos falando
diretamente com ele. Além do mais, o processo torna as coisas mais simples para
todos os envolvidos. A outra parte da ideia é cada um pegar o endereço do outro
e, terminada a carta, mandaremos cópias para cada um, de modo que terminaremos
por saber o que cada um de nós pensa e sente de uma forma que não cause
constrangimento nem dor aos outros, que não ressuscita nenhum fantasma do
passado, e ainda abre um canal para que possamos dizer o que realmente
desejamos. Concordam?
Concordaram. Papéis e canetas foram retiradas de bolsas e
sacolas. Endereços foram anotados, e depois de um curto aceno de cabeça ou
sorriso, todos foram para suas casas com o intuito de realizar suas tarefas.
***
Meu amado filho da puta,
Sempre
achei você egoísta. E no fim das contas, você acabou cometendo o ato mais
egoísta de todos, o que só prova que eu estava certa. Eu não vou desperdiçar
meu tempo aqui questionando suas motivações, ou mesmo se você as tinha. Deveria
ter, ainda que você fosse um homem sem dívidas, não parecesse ser ou estar
infeliz ou deprimido, tinha uma família amável e afetuosa... Então por que, me
pergunto, você simplesmente desistiu?
Por outro lado, não seria legítimo, não seria um direito que todos nós
temos, o de desistir? Algumas pessoas desistem de fumar, outras, de um emprego,
de suas famílias, de velhos hábitos. Outros desistem de si mesmos, e assim,
decidem acabar com tudo desistindo de suas vidas. Me parece injusto, parece
estranho e obscuro, porque fomos todos deixados no escuro, e não acho que um
dia compreenderemos sua atitude. Mas era uma decisão sua, Jason, e como
sua mais antiga e melhor amiga, é meu dever compreendê-lo.
Eu
disse a mim mesma incontáveis vezes que eu não levaria para o lado pessoal.
Você não desistiu de mim –
ou de Evelyn, Helen ou Sarah... Nem de ninguém. Sabe o que você
jogou fora? O que você tinha o direito máximo de jogar for a, algo que pertencia apenas a você, e a ninguém
mais: sua vida.
Você
se lembra de quando nos conhecemos, Jason? Quando nossos pais nos apresentaram
no meu aniversário de cinco anos? Você tinha um ano a mais que eu e já se
sentia como se fosse o rei do pedaço, como um cão que tem que urinar em todos
os cantos para dizer aos outros que estamos em seu território.
Entretanto,
eu não me importei. Aquela festa era minha. Eu era o centro de todas as atenções, você era só um ator num papel
coadjuvante... Eu não poderia prever, contudo, que você seria o maior
personagem da minha vida. Não importava quantos namorados eu tivesse – e Deus
sabe que eu não tive tantos quantos poderia ter tido – não importava quantos
parentes e amigos estivessem ao meu redor, foi você, Jason, que esteve sempre
lá durante todas as trajetórias da minha vida. E nós permanecemos juntos por
trinta e seis anos. Isso não te parece incrível? Fomos amigos por mais tempo do
que muita gente vive, Jason! Claro, meu amigo egoísta, você sempre teve
sua própria maneira de enxergar as coisas, e foi precisamente isso que fez você
abreviar uma amizade que certamente duraria mais de sessenta anos.
Você
foi amado, Jason. Você é
amado. Você sabe quantas pessoas no mundo podem ouvir estas palavras e de fato sentir
que são amadas sem um só segundo de desonestidade? Não muitas. Não muitas, meu amigo. E
você sabia que nosso amor era a coisa mais perfeita que já foi concebida. O
amor sem demandas, sem preocupações, sem mentiras. Se isso não é Deus no seu
estado mais puro, então Deus realmente não existe.
Como
ser humano, jamais poderei obter as respostas que quero, para que eu possa
compreender o que fez você pular daquele décimo andar numa tarde tão bonita, às
vistas de todo mundo. Mas como amiga, eu sei apenas que devo compreendê-lo: eu
aceito o que você fez, e jamais direi que você não tinha o direito de fazê-lo. Você,
certamente, tinha.
O
que não vai minimizar a sua ausência aqui, seu puto. Nunca, nunca.
Amarei
você até o fim,
Susan.
***
J. –
Eu
poderia estar aqui dizendo coisas horríveis sobre você, mas não vou. Não porque
eu não quero que você pense coisas ruins a meu respeito. Eu silenciei muitas
vezes quando éramos casados simplesmente porque tinha medo do que você
pensaria, mas quando Sarah surgiu com essa excelente ideia, eu disse a mim
mesma: agora é a hora de me vingar! Agora
vou dizer tudo que ficou entalado durante todos esses anos, vou cuspir tudo!
Contudo,
sua presence é ainda muito forte, J. O silêncio me arrebata, e todos os meus
planos de dizer o que eu quero permanecem dentro de mim, e eu sei que aqui
essas palavras ficarão para sempre; como um câncer, me devorando de dentro pra
fora, um desconhecido em silêncio.
Você
sabe a dor que me causou quando me deixou pela Helen. Minha vontade era de
vê-lo morto. E agora que você de fato está
morto, eu não faço ideia do que realmente queria. O que eu sei de verdade é que
está tudo frio e vazio aqui dentro, como tem sido desde o dia que você saiu da
nossa casa. A única diferença é que agora o frio será permanente. Nos tempos de
antigamente, você pegava a Sarah na minha casa, eu via você, apertava a sua
mão, sentia seu cheiro. Você sorria pra mim, eu sorria de volta pra você, você
dava as costas e ia embora, de mãos dadas com Sarah. Por muitos anos eu queria
que aquela mão fosse a minha mão,
embora eu soubesse que minhas mãos não seriam mais abraçadas pelas suas. Nunca mais.
Por que
você teve que se matar, J.? A Helen estava te fazendo infeliz? Você estava mortalmente doente? Você
foi tão idiota, J. E tão jovem. Como é que eu vou perdoá-lo pelas coisas que
você me fez? Como é que eu vou te perdoar por ter me abandonado pela segunda
vez? Você acha que eu posso superar
mais essa? Não posso, J. Minha vida acabou da primeira vez. E acabou de novo,
agora. Como
um ser humano é capaz de imputer tal destino a outro? Pelo menos eu não sou
covarde, como você. Eu continuarei vivendo, mesmo que na maior parte do tempo
eu esteja apenas metade viva. Ou talvez você estivesse certo. Qual o sentido em
viver quando a vida parece não ter mais sentido algum? Eis algo que eu devo
considerar, em algum momento pelas estradas da vida. Por enquanto, tudo o que
eu sinto é essa dor imensa no peito. É porque era nele que você habitava, e
onde você não mais faz morada, e não mais fará. Eu não tenho como
suportar isso.
Vá se foder, J.
Evelyn.
***
Meu amado imortal –
Como posso eu começar a explicar o inexplicável? Como
jamais serei capaz de justificar para mim mesma, e para os que me interpelarem,
o que você fez a si mesmo e, por conseguinte, a nós?
Passo os meus dias me perguntando: você
sofreu? Foi dolorido? O que passou pela sua cabeça durante sua queda da
varanda, até chegar ao solo? Você se arrependeu durante os poucos segundos que
levou até você atingir o chão? Você pensou em mim? Por
que você fez o que fez? Foi por causa de mim? Eu
estava fazendo algo errado? Ou foi simplesmente algo que você se sentiu
impelido a fazer? Você simplesmente estava lá na varanda e se perguntou como
seria se sua vida acabasse no pátio lá embaixo, se as pessoas sentiriam sua
falta, se a queda seria alguma espécie de símbolo para os que ficaram... Sim,
meu amado, às vezes eu acho que você apenas se sentiu tentado a cair, simples
assim. Pelo menos isso torna as coisas mais fáceis pra mim.
Você ainda lembra da primeira vez que
nos vimos? Foi tão bonito, ver você no Central Park, lendo um volume com todos
os contos da Virginia Woolf. Tempos depois, nos diríamos que Virginia nos uniu,
e não nossas “essências desrespeitosas e maléficas”, como sua ex-esposa coloca
a questão. Ambos éramos pessoas que precisavam de uma companhia verdadeira. O que
quer que tenha nos colocado lá, naquele momento, o fez para que fôssemos um
todo, completos, sem rachaduras, para que pudéssemos ter nossas existências
justificadas e dignificadas. Agora também me passa pela cabeça que a Virginia
nos separou...
Se há algo de que sentirei falta, amor,
é o fato de que não o terei aqui para ver seu cabelo ficando lentamente branco,
de ouvir sua voz cantando no banheiro – e das piadas que eu fazia sobre isso –
, de sentir seu cheiro, seu toque, sua forma de encarar a vida... Não vou mais
ter seu beijo de boa noite, nem vê-lo mais adentrar pela porta da frente com
aquele sorriso. Não era eu que ia mencionar uma
coisa da qual sentiria falta? Percebe? É impossível mencionar uma coisa apenas. Ou todas as coisas na verdade o tornam único. Sim,
certamente é isso.
Continuarei a luta, entretando. O que
não significa, amado, que eu seguirei em frente. Que eu um dia superarei isso. Meu coração
e minha alma se esvaíram para a água que corre na sarjeta. Por um instante, me
revoltei: como você pôde me abandonar? Como você pôde desistir do nosso amor? E
mais do que tudo: por que, em nome de Deus, Jason? Era o que eu costumava
pensar. Mas não é uma pergunta que eu deva responder. Provavelmente nem para você responder. É apenas a realidade, e
é isso que às vezes ela nos faz. Como o que está fazendo a mim agora, drenando
minhas forças vitais para lutar contra o que eu tenho que lutar.
Agora, tudo o que sei é que estarei aqui
até que não estarei mais, quando, então, eu estarei com você. Que seja breve.
Eternamente
sua,
Helen.
***
Jason, meu
amigo,
Sua
filha veio com essa ideia de escrever pra você, e eu não faço ideia de como
realmente escrever cartas, mas todos concordamos em fazer isso, e eu estou
aqui, fazendo o que esperam de mim. Não é isso o que nós todos tentamos fazer,
o que é esperado da gente?
Todo mundo no trabalho sente a sua
falta, cara. O que diabos foi que houve, meu irmão? Você era sempre só
sorrisos, fazendo todo mundo rir no escritório. Jamais poderíamos imaginar que
algo assim aconteceria. Pelo menos, não com você. Alguns de nós ainda estão
tontos. Eu inclusive. Por que você nunca me contou que estava com problemas,
Jason? Poderíamos ter sido mais do
que apenas colegas de trabalho, cara. Digo, nós éramos amigos, mas talvez eu pudesse ter te ajudado... Nossa. Até a
Marlene anda chorando pela sua morte, no escritório. Aquela puta que fala de
todo mundo e fez com que a Joan fosse demitida mês passado. Parece que mesmo
nela ainda restam sentimentos. As coisas têm caminhado devagar por lá, meu amigo.
Você nos motivava. Você
nos deu uma força completamente necessárias em tempos sombrios. Onde é que você
está agora, cara?
Tentei te entender e descobri que
não dá. Você sempre se gabava da sua família maravilhosa, você tinha um dos
salários mais altos da empresa, você fazia as coisas que curtia... A única
coisa que posso concluir é que nem mesmo todas essas coisas podem garantir
felicidade e alegria. Mas se essas coisas, que parecem ser essenciais à vida
não te eram suficientes, então o que te faltava? Talvez você estivesse tão para
além da vida, talvez você fosse tão maior
que a vida propriamente dita, que não conseguia viver sob sua própria pele. Tanto faz,
cara. As lágrimas já começaram a escorrer pelo meu rosto. Preciso parar de
escrever isso.
Porra,
cara, a gente ainda tá tão perdido.
Carl.
***
Querido pai
Levei 23 anos para chamar você de “pai” sem me repugnar. Somente
agora, após a sua morte, eu me sinto à vontade para chama-lo de pai e lamento
não tê-lo feito nos últimos 22, desde que comecei a falar.
Eu ainda me lembro vê-lo tentando
fazer com que fôssemos mais próximos, fazer com que nos apegássemos mais, que
demonstrássemos mais carinho. Mas haviam as dificuldades familiares, o fato de
que você e a mãe estarem sempre discutindo.... Isso me fez deixar o sentimento
de “família” de lado. Eu amo você, e eu amo a mãe, apesar do seu deplorável
estado mental, às vezes. Sei que vocês se divorciaram porque chegou uma hora em
que você não conseguia mais suportar o comportamento dela. E eu entendo tudo
isso. Sei que quando fazemos tudo o que pensamos ser possível para amar alguém,
mas só um dos lados
está tentando fazer dar certo, ao invés de ambos, a melhor solução é
seguir caminhos separados, como fizeram. Mas você também tem de me compreender.
Como eu poderia me aproximar de qualquer um de vocês, vendo-os gritando e
brigando e dizendo todas as coisas que ouvi vocês dizerem em minha presença?
Seria humanamente impossível, pai. Por isso foi que me agarrei somente aos meus
amigos. Eles sempre foram minha verdadeira família. Porém, agora que perdi
você, entendo melhor o que são os vínculos familiares, agora que sei o que
significa perder um pai. Havia amor, pai, um amor emocionalmente distante, mas
você foi amado.
Outra coisa que jamais entenderei é
você ter nos privado de tudo aquilo que poderíamos ter nos tornado, de tudo o
que ainda poderíamos fazer. Não podemos dizer que não estávamos tentando. Sei
que você estava tentando arduamente compensar o tempo perdido. Sabíamos que
jamais seria a mesma coisa, afinal de contas, você perdeu a oportunidade de ser
um pai quando dos meus primeiros passos: deixou de me colocar no colo, me
ensinar a andar de bicicleta, no que acreditar quando eu terminasse meu
primeiro namoro, e até no primeiro beijo que eu dei num garoto.
Então, quando eu lhe disse que o
amor não era uma opção, que não escolhemos aqueles que amaremos, você esteve
presente para mim, mais forte do que nunca. Você me abraçou forte e disse que
era o pai mais feliz do mundo. Disse que não havia nada que eu não pudesse
resistir e lutar, que o fato de que Lucy e eu estávamos juntas só fazia você me
amar mais. Você me dizia essas coisas enquanto me abraçava, com as lágrimas lhe
escorrendo pelo rosto, e eu estava lá, paralisada diante da sua reação
positiva, quando pensei que iríamos nos distanciar. Mas não, pai, daquele
momento em diante eu tinha um pai de verdade, e eu sabia disso. Isso foi há quatro anos, e eu e Lucy
ainda estamos juntas. Temos uma bonita relação, pai, uma da qual você sempre
afirmou se orgulhar e que certamente continuaria lhe orguhando. O amor acontece
entre pessoas, independente de seus gêneros, conforme você me ensinou.
Mas então, veio a surpresa.
Noite passada, ao organizar as
gavetas que você deixou, encontrei sua carta para Helen, pai. Você dizia que
não poderia viver sem ela. Que ela era a mulher que você amava, aquela que você
cuidaria durante toda a sua vida, e até além disso. Como eu planejo que seja
entre mim e Lucy.
Não me pareceu uma carta de
despedida, mal tinha seis linhas, e estava por terminar. Corri para o telefone
e liguei para Helen, perguntando-a se ela sabia dessa carta não terminada, e
por que você dizia aquelas coisas para ela. Ela me contou que havia dado início
a um tratamento quimioterápico na semana anterior. Era leucemia, foi o
que me disse. Nem pude acreditar. No fundo do
meu coração, eu sei que você não fez o que fez somente por causa da doença de
Helen. Você seria covarde se tivesse se matado por conta disso. Ela me disse
que as células cancerígenas se espalharam, mas que ela vai continuar lutando.
Eu sei que ela vai.
Tenho esperança de que tudo chegue
logo ao fim. Não sei o que quero dizer com “fim”. Tudo o que sei é que o tempo
vai passar, papai, e você continuará a ser meu pai. Há o Amor... e há a Vida,
no caminho. Mas podemos deixar de acreditar? Não, não podemos. Sua lembrança
permanecerá dentro de mim, pai, e eu sei que você jamais morrerá enquanto
estiver aqui, dentro de mim.
Obrigada por
ser meu pai.
Sarah.