Os Malaquias, de Andréa del Fuego





Desde que soube do lançamento desse livro, coloquei-o na minha lista de desejos logo de cara. Achei o título forte e contundente. Quando pus as mãos no livro, viria a descobrir que é precisamente isso que o livro é, mas calma, não vamos nos adiantar aos fatos. 

Os Malaquias. Malaquias, o profeta bíblico. Fui procurar o significado do nome. "Que traz mensagens", diz-me o Google. E paremos por aí.

O romance, narrado numa linguagem poética, começa narrando a morte dos pais de Nico, Antônio e Júlia, atingidos por um raio. A partir desse momento de ruptura, cada filho começa a tomar seus próprios rumos. Nico é adotado pelo dono da fazenda onde moravam, e Antônio e Júlia, que mais tarde também irão se separar por outros motivos, são levados por freiras francesas para serem adotados.

O cenário principal, a Fazenda Rio Claro, não remete a nada que fuja da realidade brasileira que conhecemos bem: senhores explorando seus subservientes, dentro do contexto da cultura do café. Próximo dali, uma cidade pequena que, se fosse nos tempos de hoje, teria sua renda movimentada, majoritariamente, por programas de assistência do governo, dando fluxo à economia da região. 

Uma das coisas que chamam muito a atenção no romance de Andréa del Fuego, entretanto, é o elemento água, e o universo onírico criado pela autora. Durante todo o livro, o leitor tem a sensação de ir lendo uma obra que vai se movimentando numa velocidade fluida, numa velocidade-correnteza-cristalina, perpassando por rochas, vales, aclives e declives, sem impedimentos, e tudo isso, como se dentro de um sonho. Não demora, e começam as rupturas com a realidade, que dominavam a trama até então.

Ao saber que a região será invadida por água para a construção de uma hidrelétrica, o romance ganha outros contornos, novos personagens vão surgindo/fluindo, e o elemento água ganha tons dentro do realismo fantástico. A mãe de um dos personagens, já morta e transmutada numa espécie de figura aquosa, digamos, viaja nas calças de outro personagem. Um outro, some dentro de um coador de café. E por aí vai.

A morte também existe no livro como personagem implícito (?), coabitando a mente e os pensamentos e a realidade de cada um dos habitantes do lugar. O interessante é que, ali, a morte é lugar de morada, mas não de repouso. Morrer não quer dizer descansar. Não quer dizer sequer morrer de verdade. Morre o corpo, mas não morre-se o todo. Fica a substância.


Andréa del Fuego conta em algumas entrevistas que lapidou o livro o máximo que pode, e, de fato, nota-se que a linguagem foi algo profundamente trabalhada: não há excessos. Cada coisa vem a seu tempo no livro. O amor para Nico. As descobertas das dores da vida para Júlia, a certeza de que a idade vai passar e que ele não mais crescerá para Antônio. E de que, sobretudo, o universo vertiginoso, forte, doloroso mas também belo criado pela autora também se transformará, porque nada resiste à força do tempo. 

Assim é Os Malaquias, extraordinário romance de Andréa del Fuego, vencedor do Prêmio José Saramago de 2011, publicado pela editora Língua Geral e que, sem dúvida, vale a pena ser adquirido e lido e abraçado com seus braços capazes. Que venham outros, muitos outros romances e contos dessa autora que honra a língua Portuguesa!



Cartas não abertas e a valorização da amizade

Cartas não abertas e a valorização da amizade


Tempus fugit!, não cansa de nos lembrar Rubem Alves em muitas de suas crônicas e textos, lembrando-nos, quase como a cutucar-nos, que o tempo urge, foge, escapa, ultrapassa qualquer barreira. Quase não, a ideia é nos cutucar mesmo, provocar, enfiar o dedo nessa feriada-tabu que é esse assunto tão temido pela maioria das pessoas.

Tenho uma obsessão com essa questão do Tempo como um todo; essa coisa que nos move e nos impele e nos engole. Talvez porque, cedo demais, eu tenha me dado conta da finitude, e de que o tempo, esse contado no relógio, está passando cada vez mais rápido.

Aconteceu assim: final das férias. Eu precisava organizar muitos papéis e arquivos no escritório. Nesse lugar, que originalmente era somente para isso, eu acabei por guardar coisas outras que em nada lembram seu objetivo primeiro, e as coisas foram se acumulando. Até raquete pra matar mosquito tinha por lá. E eu disse chega. Vamos organizar essa bagaça! 

Foi quando eu encontrei cartas lacradas, no meio de material de aulas que já usei e jamais usarei, materiais em desenvolvimento, materiais que nem lembrava mais que tinha e que voltarei a usar urgentemente... Lá estavam elas, fechadas, tais como foram-me enviadas. Data: dezembro de 2007.

Entrei num pequeno momento de depressão. Naquele tempo, estava num corre-corre com atividades acadêmicas, projetos, aulas, relacionamentos... Parei a seleção de material que estava fazendo para lembrar que, quase cinco anos depois, pareço já estar vivendo uma outra vida. Cinco anos mais velhos, já sou eu outra pessoa (?). Lembro-me dos colegas de academia que deixei pra trás, daquele tempo que parece que não volta nunca, nunca mais, porque jamais terei vinte e poucos anos de novo, e há coisas que só se vive ali, naquele momento, só se descobre ali. Passada aquela epoca, puft, já era. 

Foi então que parei pra pensar na valorização da amizade. As pessoas que são minhas amigas de verdade sabem que valorizo a relação, que busco demonstrar o carinho, o amor, o afeto e o cuidado. Sei disso porque tenho amigos de mais de duas décadas, porque existem pessoas que me cobram em suas vidas, porque gostam de sorrir junto. O que é essencial pra vida de qualquer um.

Li e reli as cartas. Tenho contato com a dona daquelas palavras até hoje. É alguém que amo muito, muitíssimo, e que quero levar junto comigo até meu último dia de vida. Como pude, então, agir dessa forma e sequer abrir sua carta no natal de 07?

Foi então que encontrei um cartão dentro de um envelope, daquele mesmo ano. O envelope estava há tanto tempo embaixo de outras coisas que foi difícil tirar o cartão de dentro dele. Estava endurecido. Porém, quando tirei, lembrei-me na hora daquele cartão. Era o cartão por ocasião do meu aniversário, que ocorre no mesmo mês! Quer dizer então que o mesmo poderia ter acontecido com a carta que, endurecida com o passar do tempo, parecia lacrada.

Só que eu tenho o costume de rasgar a lateral dos envelopes com cartas para tirá-las de dentro hoje em dia. E não lembro como fazia há cinco anos, assim como também não lembro do conteúdo das cartas. 

Não, não levarei sentimento de culpa o resto da vida. Eu não. Levarei o aprendizado possível em torno disso. 

Mas o mistério - ah, o mistério! - persiste.