Amar, verbo intransitivo?



Muito já se foi dito a respeito do livro Travessuras da Menina Má, de modo que eu virei aqui apenas a somar mais algumas palavras à enxurrada de linhas já escritas sobre este inusitado bestseller. E aplico o "inusitado" aqui em mais de uma vertente: tanto pelo livro ser de um autor que não escreve para ir parar nas listas de bestsellers quanto pelo fato do livro ser mesmo, absoluta e absurdamente, surpreendente.

Tido pela crítica norte-americana como uma recriação do livro clássico de Gustave Flaubert, Madame Bovary, o livro de Vargas Llosa parece também ter teor levemente autobiográfico; e se algo ao menos parecido tiver mesmo acontecido ao autor, isso só vem a provar que beleza não é realmente fator preponderante nas relações humanas. Afinal, Mario Vargas Llosa sempre foi um homem charmoso, impressiona, portanto, como se mantém preso por vontade a alguém por tanto tempo. O romance trata do amor incondicional de Ricardo Somocurcio, um intérprete da Unesco, pela chilenita Lily, a quem ele conheceu ainda em criança - assim como suas primeiras mentiras - e cujas peripécias e reviravoltas da vida levaram-nos a se reencontrar por diversos momentos da vida, fosse na França, em Londres, Tóquio ou Madri. Ela, sempre fazendo todas as artimanhas para ter o que deseja na vida - e isso se resume a dinheiro para poder fazer o que bem entender - muda de nome e de marido com uma constância caleidoscópica, mas sempre volta a esbarrar, por algum motivo, nos braços do homem que verdadeiramente a ama.

Inicialmente, Travessuras da Menina Má não empolga. É meio arrastado e leva o leitor a se perguntar o que diabos o fez tão famoso. Aos poucos, entretanto, a construção dos personagens vai se assomando dentro de nós, e logo nos vemos envolvidos a tal ponto que o livro não nos permite mais fazer o caminho de volta: estamos tomados e absorvidos pela leitura.

A coisa fica tão grave que chegamos a ter amor, ódio e compaixão do narrador, uma vez que ele sempre aceita a tal chilenita de volta - de quem ele só saberá o nome verdadeiro ao final do romance - e passa a pautar toda a sua existência através do que sente por ela.

O livro percorre a vida de ambos da infância à idade madura, lá por volta dos cinquenta anos. E é dessas histórias de amor lindas, originais, sem precendentes e incrivelmente apaixonantes. É um livro que trata da perda da inocência, dos ritos de passagem da vida, das idas e vindas dos amores (e também daquilo que pensamos ser amor) e que nos torna as pessoas que somos.

Terminada a leitura, fica a eterna pergunta: afinal, o que é o amor entre duas pessoas? Como significá-lo, como dar cor a ele, como não fazer por onde suas cores virem simples matizes em preto e branco? O tal mistério, por fim.

Um livro nobre, singular, que nos faz entender porque este homem mereceu o Nobel de Literatura em 2010. Um livro pra ser internalizado com carinho e afeto, e nunca ser esquecido. Concluí minhas leituras desse ano com a certeza de que dei um passo para o abismo que nos salva a todos: a imensidão dos repletos das palavras que nos dão significado.

A teoria do "Te pego lá fora"


Há gente que para tudo acha o que reclamar da vida.

Desde o dia, que não amanheceu como ele ou ela gostaria que tivesse, por estar mais quente ou mais frio, ao filho que resolveu brincar no chão e se sujar todo, aos bichos que cria, que dão trabalho demais, da falta de tempo para si.

Outros reclamam de coisas mais sérias, como algo sem nome que nasceu debaixo do braço e não sabe ainda no que vai dar, do dinheiro que não dá até o final do mês, da família difícil de lidar, do distanciamento dos amigos...

Mas, se de acordo com Shakespeare, a quem foram atribuídas certas verdades universais, "não há mal que não se acabe nem bem que sempre dure", porque as pessoas gostam tanto de reclamar, como se a luta diária fosse contra a vida e não a favor dela? Afinal, por que brigamos tanto? Por quem? Para quê? Não é justamente por querermos dias melhores que nos desdobramos em vinte para darmos conta de casa, trabalho, namoros, amigos, família e tudo o mais que se interpõe entre essas coisas? (Sempre deixando algum desses descontente, mas quem é perfeito? Quem?)

A verdade é que muita gente ao nosso redor trata a Vida como se ela estivesse em constante promessa de nos pegar na saída, de nos encher de pancada e nos maltratar até não mais poder. E, por esse motivo, não param de se maldizer, de demonstrar toda a sua insatisfação com os dias que correm e no qual ainda estão, miraculosamente - imerecidamente? - respirando.

Pois a verdade é que estar vivo, é sim, um ato de fé, de coragem, de gratidão. De fato, não é fácil viver. As dívidas, dificuldades de lidar com o outro, as surpresas nem sempre agradáveis do dia a dia e as constantes perdas estão aí para nos mostrar e comprovar isso. Mas agir perante tudo isso em constante posição de ataque não ajuda em nada a amenizar o fardo. Pelo contrário; ele se torna mais óbvio, mais vistoso não só para si, mas pra todos que o cercam e, com isso, mais difícil de ser carregado.

Viver a Vida como se estivéssemos num campo de batalha onde a única certeza é a da perda, é ignóbil, de uma pequenez de alma atordoante, amarfanha o espírito, que deveria estar sempre em riste, pronto não só para lutar, mas para permitir-se ser pleno, honesto consigo mesmo - seja lá o que isso represente para cada um de nós - e buscar, isso sim, falar mais de coisas boas, refrear a língua antes não apenas de soltar impropérios, mas também de soltar mazelas através da boca.

Viver é o maior ato de amor que pode existir, e é através dele que podemos transformar, que nada mais é do que mudar a forma. Não está satisfeito com sua vida? Mude a sua forma, transforme-a.

Mais fácil dito do que feito? É? Pois paremos de olhar a vida como se estivéssemos na parte mais alta de algum lugar prestes a despencar, tome fôlego e lutemos o bom combate.

É dando o primeiro passo que encontramos a direção.