O momento certo de tudo: Das leituras da infância e da não-tão-infância assim

O momento certo de tudo: Das leituras da infância e da não-tão-infância assim




Em meio a tantas leituras nos últimos tempos, passou-me para a cabeceira dos livros a serem lidos um título que julguei inusitado: "O Senhor das Moscas", de William Golding. Trata-se de um romance sobre um avião que cai numa ilha isolada e deserta, e neste acidente, somente crianças sobrevivem. Presas na ilha, elas buscam governar a si mesmas, e, claro, isso não poderia dar certo. Tirando as metáforas sobre o bem versus o mal, as questões sobre a natureza humana e o bem comum, é um livro que costuma ser lido ainda na juventude - pelo menos dos jovens do hemisfério norte - e que só fui pensar em ler agora.

      Isso, claro, remeteu-me às minhas leituras da infância que, logo de cara, teve dois aspectos muito estranhos: sabe-se lá por qual razão, não li O Pequeno Príncipe, clássico da literatura infantil, quando ainda estava na fase na qual geralmente se lê este livro. Só vim a lê-lo muitos anos depois, já pela metade da adolescência, quando o livro me tocou de uma outra forma, sem o olhar da criança. O outro aspecto foi: nunca li Monteiro Lobato. Nunca, nunca. E isso permanece assim até hoje. Tanto é que andei pensando, recentemente, em comprar uma caixa repleta de suas obras infantis, pra ver qual é. Porquê meus pais nunca me ofereceram esses dois livros na "idade certa" (discutirei mais sobre isso em breve) para tal permanecerá um mistério.

      Por outro lado, tenho vívida lembrança da minha mãe me ofertando um livro antigo do Pedro Bandeira - "Trocando as Bolas" - , que ainda era de colorir (!!!), sensacional. Esbaldei-me na história do menino cujo gato acabava caindo na fonte da praça e ele, ao invés de tirar o gato da água, resolveu tirar a água do gato, tirando o tampão lateral da fonte e esvaziando a mesma (simples, não?).

      Em seguida me veio a série Vaga-lume. Ah, a série Vaga-lume! Quem naquela idade que gostasse de ler - ou mesmo que não gostasse tanto - e/ou tivesse acesso a livros não passou por livros dessa série maravilhosa? Foi através de livros como O Escaravelho do Diabo e dos livros de mistério do Marcos Rey que a literatura chegou e ficou de vez. Evidentemente, logo vieram outras coisas, como O Meu Pé de Laranja-lima, do José Mauro de Vasconcelos, alguns da Ana Maria Machado, e também inevitavelmente, os livros do Sidney Sheldon. Todos se assomando naquela tenra idade entre os sete e os catorze anos, como um grande espiral de conhecimento, de leitura e descobertas... Quantas descobertas!

      E é bem no meio disso tudo que algumas outras indagações perscrutam a mim, sem resposta. Por que só fui ler O mundo de Sofia já quase adulto? E O Sol é para todos (To Kill a Mockingbird), clássico da Harper Lee? E O Apanhador no Campo de Centeio? Eu poderia ficar aqui listando títulos e títulos que geralmente as pessoas leem ainda na adolescência, muitos dos quais eu tive acesso ainda jovem, e me passaram batido. 

      A minha tristeza não é mais nostálgica do que realista: o que fazer dessas obras agora, que são lidas com outro olhar, o olhar do adulto, já que o olhar ingênuo, singelo e pueril da criança me foi tirado com o passar do mundo, a maturidade do corpo e da mente? Apenas sento e lamento? Talvez seja mesmo essa a única opção, uma vez que o tempo não volta pra ninguém (e pra ser sincero, não faria mesmo questão de voltar para os meus anos de infância).

      É um pouco triste ter a consciência de que aqueles livros, que pude ler em algum momento na "fase ideal", só foram lidos (e muitos nem foram ainda) num passado recente. Por outro lado, existe mesmo a "idade ideal"? Na minha opinião, existe, sim. Sobretudo porque existe aquilo que já mencionei antes: o olhar da criança sobre o livro, que difere completamente do olhar do adulto.

      Afinal, não é um pouco triste saber que, qualquer livro para criança ou adolescente no qual eu puser os olhos, atualmente, já na casa dos trinta, será sempre uma leitura crítica que, querendo ou não, buscará compreender o que está nas entrelinhas, aquilo que está escondido nas palavras escritas pelo autor? Como deixar de entender essas coisas e voltar-se apenas para a pureza do olhar infantil? Ao menos para mim, isso está, sim, perdido. Não um pouco, mais completamente. Não quero dizer que não se pode apreciar e admirar uma obra infantil depois de ter se tornado leitor com bagagem. Mas afirmo peremptoriamente que não conseguiria mais ler uma obra com aquele olhar que ficou perdido lá por volta dos sete, oito, nove ou dez anos, o que é mesmo uma pena.


Das saudades eternas

Das saudades eternas

         




 Hoje me peguei pensando na morte dos meus pais, que ainda não morreram e espero que ainda fiquem por aqui por um bom tempo, obrigado.
      Desde que eles viajaram, noto em mim um sentimento que não costuma se assomar em meu peito com tanta frequência em relação a eles: a saudade. Estando os meus pais num merecido passeio Brasil à fora - afinal, passaram anos e anos trabalhando duro pra quê? - , ponho-me a refletir sobre a ausência de ambos.
      O interessante é que, como moramos na mesma cidade, mas em lugares distintos há mais de meia década, não sinto tanta falta deles quando sei que os teria e tenho ali, à mão. 
      Desço as escadas em direção à garagem do prédio pensando: E se eu bater o carro nesses dias em que eles não estão por aqui? E se eu atropelar alguém? E se o carro simplesmente parar de funcionar? Rapidamente, o nome e a imagem de um punhado de amigos que me socorreriam num momento desses me vêm à mente, num lampejo reconfortante. Mesmo assim, seriam pelos meus pais que eu gostaria de gritar por auxílio primeiro num momento de pânico. 
     Tal sentimento me invade insolitamente, já que desde cedo acostumei-me a contar com amigos nas horas das agruras, mas vai saber o que fica impresso nas cavernas escuras das nossas mentes, naqueles recônditos onde nem o pensamento chega...
      É então que penso na ausência que todos nós um dia seremos para alguém, cedo ou tarde. Inevitavelmente, penso em minha própria mortalidade e que, cumprindo-se o ciclo da vida, aqueles a quem hoje chamo de "meus velhos" mas que ainda não o são, um dia serão, e hão de ir-se antes de mim.
      Não faz tanto tempo assim, compartilhei em sala de aula dia desses, com a voz embargada, ao falarmos de família, que outro dia meu pai esteve aqui em casa e, ao ver a torneira do meu banheiro pingando, rapidamente prontificou-se a pegar umas ferramentas e se deitar sob ela, desatarrachando parafusos e roscas até que - plim! - "meu velhinho" havia consertado minha pia, que estava lá, estalando de nova. E aos 63 anos, não é todo pai que sabe dar uma de torneiro-mecânico embaixo de uma pia num espaço nada convidativo ao resto do corpo... Mas o meu estava lá. 
     Foi então que imaginei que, em vinte anos, ele certamente não poderá fazer isso, e novamente a certeza da finitude, e uma saudade antecipada me apertaram o peito.

   Da mesma forma, não é muito diferente o apreço pela minha mãe, que também errou pra caramba, mas que nasceu pra ser exatamente o que ela é: mãe. Houvesse essa profissão na vida, a minha já saberia exercê-la com maestria desde o berço. 

    Pergunto-me então como será lidar com essa dor. Um dia terei essa resposta, mas não hoje. Não amanhã; de preferência, de jeito nenhum. Só que se for desse jeito, é porque eles é que terão de sofrer com a minha ausência, e o que seria pior? 

      

     O que fazer quando a saudade não puder ser saciada com um abraço e um beijo depois que as malas forem postas para descansar no chão?
     O que fazer quando não houver, de jeito nenhum, remédio para a saudade?

     Por isso, enquanto há tempo, já que logo mais estarão de volta, eu possa, num beijo simples, num abraço gostoso e no afago e aconchego do amor entre pais e filhos, encurtar as distâncias desse sentimento infinito.
         
      Voltem logo. Tímido como seja, há amor aqui esperando.