Ladrão de Cadáveres, de Patrícia Melo


Até entrar pra faculdade de Letras na universidade federal daqui, não era muito fã de literatura brasileira. Marcos Rey era uma das poucas exceções (outras ainda incluíam Machado de Assis e Lygia Fagundes Telles, que eu lia com afinco, vontade e prazer). Mas isso mudou logo no primeiro semestre, quando outro mundo se abriu pra mim.

Conheci Rubem Fonseca através de um de seus contos mais famosos, "Feliz Ano Novo", que a gente leu pra discutir em sala de aula. Não demorou muito e cheguei na autora deste livro que me proponho a comentar hoje, Patrícia Melo, e seu mais recente livro, Ladrão de Cadáveres.

Patrícia Melo é discípula de Rubem Fonseca. Estreou na literatura no ano em que um suposto grande ídolo nacional morreu (eu digo suposto porque, até a Globo fazer um escarcéu da morte do esportista, e garantir que até quem nunca tivesse assistido uma corrida de carro pranteasse a morte do rapaz e lamentasse não estar na multidão que seguia o cortejo com seu corpo, ninguém conhecia lá tantos milhares de fãs de fórmula 1), e segue a mesma linha do autor que lhe colocou no caminho: frases curtas, ritmo acelerado, palavrões, críticas sociais, ironia, senso de humor pretíssimo. E personagens que sempre estão num submundo.

Ladrão de Cadáveres segue a linha da autora, mas está entre seus livros que substituem violência por violência por algo mais sublime: os sentimentos de perda, de valores distorcidos, dificuldades pra lidar consigo mesmo e com o outro. Ela havia feito isso em pelo menos dois livros: Valsa Negra e Jonas, o Copromanta.

A trama é interessante: o narrador da história saiu de São Paulo depois que foi demitido de uma empresa de telemarketing porque estapeou uma funcionária, que acaba cometendo suicídio. Em busca de uma mudança de ares, de sair do meio do caos social, ele vai morar com um primo em Corumbá, no pantanal mato-grossense. Lá, ele testemunha a queda de um avião e, quando se aproxima, vê que o piloto está morto e, junto a ele, um pacote de cocaína, do qual ele se apossa na busca de conseguir uma graninha extra.

É a partir daí que a história começa, e passa a se tornar mais complexa e a trabalhar a visão maniqueísta do mundo.

É através dos olhos do narrador que vemos toda a podridão do mundo, e a corrosão do seu próprio caráter e daqueles que o cercam. Logo, ele está se envolvendo com a esposa do primo que o abrigara no Mato Grosso, coloca em maus-lençóis um vizinho que o ajudara a vender a droga, se mete com traficantes, passa a trabalhar para os pais do jovem piloto morto e é então que uma ideia ganha força na sua mente, já que a família precisa de um corpo pra enterrar e não dispõe de um.

Um a um, os personagens vão mostrando que ninguém escapa de mau-caratismo, da corrupção, de se envolver e se entregar ao mal causado pela sociedade, desenvolvendo a clássica - e por que não dizer, clichê - máxima de que todo mundo tem um preço.

Outro ponto relevante da história é que a pesquisa foi realmente bem feita. Ela faz realmente você se sentir no Mato Grosso. Eu pude imaginar tudo, absolutamente tudo, e em nenhum instante a descrição dinâmica da autora torna a leitura cansativa. Sem contar a descrição de coisas um pouco mais... nauseantes, por assim dizer. Devo também acrescentar algo super favorável: o livro é tenso. MUITO tenso. Há muito tempo eu não lia uma obra através da qual eu sentisse, verdadeiramente, meu coração acelerado batendo dentro do peito. Nas últimas páginas você chega a sofrer com o personagem, dada a sua verossimilhança, e a sua angústia e o peso de tudo que lhe acontece. Prepare-se pra ficar com a boca seca.

Continuo achando O Elogio da Mentira o melhor livro da Patrícia Melo. Mas gostei muito desse livro novo, ao ponto de lamentar por ela escrever tão devagar e publicar um livro a cada, mais ou menos, três anos.

Para quem gosta do gênero, é um livro muito recomendável.
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