Meu deus grego de estimação


Não faz tanto tempo assim, eu decidi que precisava urgentemente ser pai.

Foi então que decidi criar um cachorro.

Sempre criei cachorro, desde criança. Por causa da difícil relação dos cães com minha mãe, eram sempre criados no quintal de casa, afastados do resto da família, e nunca gostei muito dessa noção de cerceamento de espaço: bicho pra mim era meio que irmão. Não podia entrar no quarto, vá lá, mas por que não em casa?

Eles também pareciam pensar assim, uma vez que, sempre que tinham uma chance, corriam pra dentro de casa, dispostos a abraçar seus donos. Eram de uma afetividade tão gigantesca que pareciam não caber dentro de si próprios, nem como compartilhá-las conosco. As vezes olhavam pra gente como a dizer, Por que vocês não me deixam demonstrar todo o meu amor?

E eu frequentemente pensava - e ainda penso - a esse respeito. Na beleza da relação humana com os bichos. Na nossa sociedade ocidental, mais especificamente com o cachorro, ser que aprendemos a adestrar e ao qual humanizamos (e as vezes tenho medo dessa relação entre adestramento e humanização desse bicho, mas aí já é motivo pra uma outra crônica) com tanta voracidade que, no mundo ocidental moderno, há quem o crie como se gente fosse. Vai além do fato de exercer paternidade ou maternidade ou mesmo fraternidade: criam-se os cães como quem cria um filho que vá viver mais que nós mesmos, como se eles não fizessem parte de um ciclo que vai terminar antes do nosso, via de regra. E o que há de dondoca tomando Prozac por conta disso não está nos autos. É gente que não aprendeu a colocar as coisas nos devidos lugares, nem tratar a realidade tão como ela é: factual e palpável, e não onírica e fabricada. Mas não convém dizer isso a essas pessoas. Elas jamais entenderiam.

O fato é que o cachorro, por diversos motivos - dentre os quais o fato de que, desde que passou a conviver com os seres humanos, há algo em torno de 15.000 anos, e começou a ser domesticado e servir como auxílio em caçadas, atividades domésticas e mais tarde em salvamentos e buscas, para não falar da mais bela de todas, a companhia sincera e firme - segue forte na preferência entre os animais de estimação.

Ulisses veio para a minha vida durante o crepúsculo de um dia em finais de julho de 2007. Dei a ele o nome de um semi-deus grego, que também é o nome de uma obra que pretendo ler antes de morrer mas, sobretudo, porque era o mesmo nome do cachorro de Clarice Lispector. Era minúsculo, uma bolinha de pelos pretos e olhar indagador e ingênuo. Eu resolvi adquirí-lo pelo motivo egoísta de querer ser pai, unicamente, e como todo pai, eu era cheio de planos que nunca vieram a se concretizar: imaginava levando-o à praia pra correr nos domingos pela manhã, que iria passear com ele todos os dias, e que, enfim, ele seria o cão mais feliz do mundo.

Entra aqui um negocinho chamado realidade, da qual ninguém escapa. Ele cresceu, resolveu transformar minha casa num penico gigante (e a mim, consequentemente, na escrava que anda com pano e Pinho Sol debaixo do braço sempre que está em casa), e a minha paciência se esgotou. Passeios na praia? Duas vezes por ano. Sair pra passear todo dia? Minha falta de tempo, aliada à questão de achar que ele não faz por onde merecer (quem falou em humanizar o bicho mesmo???) me mantêm em casa a maioria dos dias, e saímos pra passear três vezes por semana apenas. Às vezes nos amamos, às vezes nos odiamos. Às vezes sento no chão e passamos longos minutos nos afagando como dois bichinhos carinhosos. Ele me vê sorrir, me vê alimentá-lo, me vê chorar, me vê apressado, me vê nu - e segue me amando como se a cada dia o amor se renovasse. Cauteloso, nem sempre se aproxima correndo, mas vem devagarzinho, como a perguntar se pode entrar. Sim, pode.

Amar um bicho é uma relação completamente indescritível. Diante de todas as relações que tenho todos os dias - com meus alunos, meus colegas de trabalho, meus amigos, colegas da pós-graduação, pessoas do cotidiano - a relação que se tem com um cão é algo que, seguramente, nos humaniza. Não porque fazemos o caminho inverso, tratando-os como se fossem da nossa espécie. Mas sim, porque criar um cão é como perscrutar desígnios: é descobrir a si mesmo compreendendo uma linguagem que não é a sua, desvendando o mistério da convivência com um ser em cuja mente não fazemos ideia de como se cruzam os pensamentos (e isso por si só é uma arte), afagando-os e afogando-os num misto de amor e cuidado que se traduzem na mais sublime das sensações: o carinho, o afeto que não vemos no mundo, está ali, contido neles. E é por este amor enternecido que vale a pena, sim, permitir-se adotar um animal. Porque através deles descobrimos sentimentos e sensações tão únicos e valiosos sem os quais não sairíamos da vida como seres humanos plenos.

E foi por causa do Ulisses que veio a Mishima - uma gata de rua que chegou a mim para aplacar o meu medo de gatos. Mas ela fica pra uma outra história.


SALT, com Angelina Jolie


Acabo de ler um texto de uma escritora que respeito e admiro muito no qual ela diz que você nunca vai assistir a um filme com esses grandes nomes do cinema achando que elas podem encarnar uma pessoa comum porque, por trás daquele personagem, a gente sempre vai saber que ali é a Angelina Jolie - ou a Julia Roberts, a Sandra Bullock ou sei lá mais quem (abro exceção para Meryl Streep, que encarna qualquer papel com perfeição) - e não a Marie, a Grace, a Helen.

Mas Evelyn Salt não é uma mulher comum. Especialista em bombas e em agente da CIA, que pode ou não ser uma espiã, de repente ela se vê envolvida em tramas que a obrigam a fugir de tudo, deixando aquilo que lhe é mais caro para trás.

O filme tem uma série de erros de continuidade que são extremamente perdoáveis por se tratar de um filme de ação. Gostei de cada minuto do que vi - o filme não para. A ação é de tirar o fôlego e ininterrupta. Todas as cenas que você espera de um filme do gênero estão lá: explosões, correrias, perseguições completamente malucas, escapadas magistrais.

Sem sombra de dúvida, Salt não é o melhor filme da Angelina Jolie, nem mesmo um ótimo filme per se. Mas quem for ao cinema esperando dele apenas um filme bacana pra se divertir, com certeza encontrará em Salt 100 minutos de diversão garantida.

Vá com o espírito aberto, que certamente não haverá arrependimento.

Sem parar, sem parar... Não, não para!


Uns, tem compulsão por chocolate. Outros, por comida de uma forma geral. Bebidas também entram nesse hall, e como estamos falando de exageros, geralmente é pela porta que só traz problemas. A de outros - hum - é por sexo. Já namorei gente assim. Por um tempo é bom, mas depois cansa, como todo excesso.

Desde que o mundo moderno se configurou como tal, criou-se o conceito de "sociedade de consumo". Daí foi um passo pras compulsões em torno disso.

A minha, por exemplo, é comprar livros.

Não tem jeito. Todo mês eu digo que vou controlar meus gastos. Que a Livraria Cultura nem a Saraiva, e muito menos a Saraiva virtual, vão sequer ter notícias minhas. Que eu preciso comprar meu apartamento. Terminar de pagar meu carro. Aí a Saraiva lança uma promoção com 30% de desconto acima de quatro livros. Lá se foi toda a minha resolução de não comprar livros tão cedo. Do que adiantou eu ficar entoando meu mantra por horas a fio? (que não era outra coisa senão uma forma de ficar tentando me convencer do que eu preciso fazer).

Pra terminar de lascar tudo, eu tenho ótimos amigos, que dizem coisas do tipo: "Ah, Marco, livro é sempre um investimento, vão ficando pra velhice." (Tá, Eugênia, você não. Você é a única que diz: "Marco, e o seus planos?!"

E se eu não tiver velhice, vão pra onde? Acho que eu entendi qual é a deles: ficar com meus livros de herança. Só pode. (Tá de novo, Eugênia, eu sei que eu já disse que meus livros serão a minha herança pra você, mesmo você não querendo porque prefere não pensar que eu vou te deixar algo de herança, mas vai que? E aí? Você vai ter que dividir, eu digo logo...)

Níveis de ansiedade, eu tenho muitos. Experimente falar comigo em finais de semestres, com provas a corrigir, redações pra ler, material pra rever e semestre letivo pra concluir! Geralmente você vai me encontrar comendo ou bebendo algo, que é onde despejo isso. Mas compulsão, aquela com Czão, é pra comprar livros.

Quando me mudei pra esse apartamento onde moro hoje, fui na casa dos meus pais, onde mantenho os livros que venho juntando ao longo da vida (nem imaginem em quantos eles já estão a essa altura...) e peguei uns 15, dizendo pra mim mesmo: vou trazer só esses aqui, lê-los, e depois compro outros.

Eu cumpri o que disse? Hehehe Claro que não. Hoje, já não tenho onde colocar livros aqui em casa, e estou pra desobeder o pedido encarecido da minha faxineira: "Marco, por favor, evite guardar livros no chão, porque dá tanto trabalho pra arrumar", me suplicou outro dia, com um ar de tristeza que quase me fez tirar a vassoura e o espanador da mão dela e fazer tudo eu mesmo, por pena.

O que eu tenho a dizer é: Verônica, querida, já já eu vou fazer você chorar. E ai de você, se aparecer um livro amassado!

E aos meus amigos, a minha futura herança!