Margaret Thatcher, o endurecimento da alma e a crença no amor





Considero muito intrigante as conexões que nossos cérebros fazem com eventos que aparentemente nada têm a ver entre si.

O último, e bastante intrigante, se deu quando meus olhos passaram pelas seguintes palavras, em um dos livros que leio no momento: "Susan, quatro anos mais nova do que eu, acredita que vivemos numa época egoísta. Ela fala de um thatcherismo da alma, que faz as pessoas acreditarem que não dependem umas das outras. Em matéria de amor temos agora o mercado; procure e compre, escolha e leve, pegue ou largue, tanto faz. Não há segurança sexual ou social; cada um por si, ou não. Realizar-se, expressar seu próprio eu e ser "criativo" são os únicos valores". ("Intimidade", de Hanif Kureishi).

Diante de um tom tão obscuro diante das relações humanas, me peguei refletindo sobre o que seria esse "thatcherismo da alma". Lembrei-me que Margaret Thatcher, que foi a primeira-ministra britânica de 1979 a 1990, advinda do Partido Conservador, tinha políticas duras, combatia fortemente os sindicatos, interveio energicamente na guerra das Malvinas, reprimia greve com dureza, sobreviveu a um atentado, privatizou empresas estatais, criou um imposto em que quem mais pagava era a parcela humilde da sociedade, tinha um semblante bastante obtuso, cara de poucos amigos e uma postura firme. Por esses motivos, renderam-lhe o apelido de Dama de Ferro

É interessante refletir sobre um mundo em que aquilo a que se chama "valores" está cada vez mais em mutação, e isso não quer dizer, necessariamente, que seja pra algo bom. Parece-me mesmo que a tal da 'thatcherização" da alma, ou seja, acreditar que na vida você tem que enfrentar tudo com força e dureza, porque só você tem o controle da sua vida (o que é uma mentira), é algo vigente, e que acaba nos tornando todos cínicos. Desacreditados. Infelizes. E o que é pior: amargos. 

Com tanto desdobramento que a vida tem e nos dá, diariamente, vale a pena?

É então que lembro que a figura da ex Dama de Ferro está também no começo do meu relacionamento, quando pensamos que íamos nos ver em minha casa para ver o filme de mesmo nome, e ao fim, era o começo: nada de filme, mas começo de um amor que tem se mostrado absolutamente transformador. E intenso, e belo. E honesto. 

Não é sem frequência que me pego pensando na possibilidade de amar alguém por toda uma vida, consciente de que vida nenhuma é uma linha reta (nem deveria, nem poderia), que dificuldades virão, vontades, desejos, reflexões, possibilidades de, de repente, pegar uma outra estrada que não a por onde se caminha às vezes com mais, às vezes com menos esforço. 

E é glorioso perceber que sim: é possível. Não é fácil, nem simples, mas é possível porque sinto que já vivi isso antes, e vejo nas relações de pessoas queridas que sim, é.

Além do mais, de nada adiantaria a qualquer um de nós viver esse thatcherismo da alma. Afinal de contas, aonde essas atitudes levaram a própria inspiradora da expressão? A lugar nenhum, que é onde habita hoje Margaret Thatcher, já que vive, com quase 90 anos, num lugar que não existe, uma vez que seu estado de demência é tal que certamente ela nem sabe mais quem é, destruída, talvez, por tudo aquilo que acumulou dentro de si durante anos.

Já nos ensina o rei leão: é o ciclo da vida, amiguinhos. E até hoje não se tem notícia de alguém que tenha escapado dele.



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1 Comentario "Margaret Thatcher, o endurecimento da alma e a crença no amor"

  1. muitas reflexões: é o que gera este belissimo texto na minha mente, simplesmente um estímulo ao pensamento!!! Arrasou!

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