Noite em Claro, de Martha Medeiros



No começo de 2012, Martha Medeiros escreveu uma crônica pedindo que o ano novo a surpreendesse. Dentre tantas coisas mencionadas, escreveu que não queria publicar mais uma coletânea de contos, já que isso não seria surpresa. 

Foi então que em algum momento surgiu o Noite em Claro, uma novela de 64 páginas, integrante de uma louvável coleção dentro da coleção de livros de bolso da editora L&PM Pocket. 

A trama, narrada em primeira pessoa, começa com sua protagonista dizendo que vai escrever um livro enquanto a chuva cai lá fora. Avisa logo que está bebendo, e isso fica cada vez mais claro com o passar do livro, à medida em que ela repete fatos e fala da chuva e lembra-nos do seu drink.

Logo descobrimos que a narradora - que não tem nome - é uma jornalista, apresentadora de um programa de entrevistas diário num canal de TV a cabo. Com um senso de humor rápido e objetivo, descobrimos que há um "psicótico" enviando e-mails o tempo inteiro pra ela que, entre temerosa e curiosa, às vezes parece querer afastá-lo, mas na verdade quer mesmo é que ele surja. 

Se isso acontece, você só saberá lendo o pequeno livro (que dá pra ler nos intervalos de qualquer telejornal vespertino). O certo é que descobrimos a protagonista envolvida com um homem paraplégico, mas sua ânsia por sexo animal, e a incapacidade do homem (descrito como um gênio) de provê-lo torna as coisas um tanto incongruentes. 

Enquanto isso, a espiral em direção descendente só aumenta de velocidade, com a narradora-protagonista dizendo ser ela a paraplégica, que a disfuncional ali é ela e jogando pra cima de si um vale de lágrimas.

Na segunda parte da história, descobrimos a personagem já sem grandes expectativas na vida, conformada com o que lhe restou, resignada. E conforme a chuva cessa, parece cessar também a vontade da narrador de apostar num final feliz - embora ela esteja convicta de que sua vida está longe do final.

Apesar de muito curto, esta foi a melhor obra de ficção de Martha Medeiros que li até aqui. Com frases curtas e espirituosas, e um estilo vigoroso e marcante, a autora consegue cativar o leitor, fazer da sua protagonista um objeto de interesse, nos faz querer continuar a virar página após página. O tamanho é pequeno, mas o fôlego é longo. Em suas 64 páginas, encontra-se morte, adultério, delírios, suicídio. E tudo num ritmo caleidoscópico, de deixar o leitor com a sensação de que ali, ele encontra uma amostra real do que é a vida, talvez a própria vida.

Avaliação final: o livro custa R$5 (isso mesmo, cinco reais) e vale cada real gasto. É uma leitura ótima, descompromissada mas, ao mesmo tempo, com um leve tom de reflexão sobre as escolhas que fazemos na vida, e as consequências que elas têm diante do inevitável futuro (e também do presente). Do preço que pagamos por tomarmos certos caminhos, muitos dos quais, sem volta.

Uma obra curta, mas muito bem elaborada. Dessas que nos deixam com vontade de correr pra ler as outras coisas da autora. 





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