Sangue Quente, de Claudia Tajes


Humor e sagacidade como canais para tratar de temas mundanos e tão caros a cada um de nós - mas sem a descartabilidade dos dias atuais.


Sempre que ouço falar de Claudia Tajes, seu nome vem associado ao adjetivo "engraçada". E isso me incomoda desde então. Não, isso nada tem a ver com uma possível ranzinzice deste que vos escreve. O problema é que essa palavra vem, invariavelmente, acompanhada da ideia de algo superficial e descartável. No Brasil, a ideia do riso ainda está muito atrelada a coisas do naipe dos programas de humor que passam aos sábados e domingos, e que vomitam mau-gosto, clichês, preconceito e bizarrices sem precedente em qualquer outra televisão do mundo. 

E olhe que Claudia Tajes também escreve para a TV. Mas quanto a isso, quem quiser que procure no Google.

Ouvi falar desta escritora pela primeira vez quando o livro A vida sexual da mulher feia começou a ficar famoso. Com um título desses, seria impossível não abrir um sorriso logo de cara ou, pelo menos, arquear uma sobrancelha, intrigado. Isso foi lá em 2005, e eu não pude evitar, a não ser procurar lê-lo.

De fato, a escrita de Claudia é leve, flui com a rapidez com a qual correm os nossos dias, cada vez mais dinâmicos. Mas não é uma bobagem.

Sangue Quente (L&PM, 136 páginas), que tem como subtítulo Contos com alguma raiva, já se entrega desde o título, como tem que ser numa literatura que se propõe incisiva: trata-se de um livro de contos (o primeiro da autora) e todos eles estão reunidos sob a égide do calor, do sangue latino que ferve nas veias. 

Os motivos são muitos: vão desde fins de relacionamentos, problemas de família, serviço ruim prestado por empresas telefônicas, as dificuldades de se gerenciar um negócio. Os personagens são muitos, e eles somos nós, as pessoas com as quais convivemos ou temos de conviver. Em 136 páginas, Claudia Tajes consegue reunir os mais diversificados tipos, e é precisamente aí que se encontra sua arte maior, e que a tornará duradoura: são histórias curtas, mas que dão a medida precisa do que é ser humano, com direito às nossas raivas do dia a dia, nossas dúvidas, angústias, medos. Sim, o livro é engraçado. Em alguns momentos, ri alto. Mas mais do que isso - e assim como nos outros livros da autora - o que temos em Claudia Tajes são homens e mulheres exercendo o seu direito (e dever) de ser gente, no sentido mais profundo da palavra. O direito de sermos canalhas, hipócritas, histéricos, apaixonados, ingênuos, atabalhoados, incompreendidos, mal-compreendidos... em última análise, falhos. Imperfeitos. 

O humor é utilizado para examinar a nossa própria solidão, (se somos o que somos, como não rir de tudo isso?) nossa inadequação perante o mundo, e nossa eterna busca seja lá pelo que for. A literatura de Claudia Tajes é capaz de mencionar Cassandra Rios, e também de ser tão contemporânea que chega a ser quase libertina. E libertária. 

Em algumas dezenas de contos curtos, somos transportados para nossas próprias vidas e levados a refletir sobre o que somos, o que temos diante e adiante de nós. Com o humor que lhe é característico, mas com o devido tom de forma a jamais banalizar o tema, a sensação, terminada a leitura, é a de que encontramos um livro repleto de vida. Repleto daquilo que somos, que nos torna humanos e que sim, nos dá direito a dar boas risadas, porque até que o último dia chegue, é mesmo preciso rir de si, da vida, do trágico. A força de sua literatura fica nas entrelinhas. A beleza e a graça, a cada virada de página.

Que venham os próximos.

Claudia Tajes

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1 Comentario "Sangue Quente, de Claudia Tajes"