Reunião de família




O motivo era bem simples: uma tia que fazia aniversário resolveu chamar todo mundo e reunir no salão de festas do prédio. Eu, que por muitos motivos não sou muito afeito a esse tipo de evento, participando dessas reuniões com a mesma frequência que elefante assiste missa, inicialmente refutei a ideia. Não - disse - só vou se me ligarem convidando

Foi então que, ainda dias e dias antes da festa, meu telefone toca. Número desconhecido. Podia ser cobrança. Mas como era prefixo da minha região, atendi.

"Oi, primo".
"Eh... Oi."
"Soube que você só viria pra festa se houvesse convite. Pois então pode se arrumar, ficar bem cheiroso e vir, porque estou oficializando o convite" - disse a prima, filha da aniversariante.

Não tinha como escapar. Lá fui eu, no final de semana, para o tal salão de festas. Resolvi que eu ia ser eu mesmo, ou seja: solícito, prestativo, e como cheguei antes de todo mundo, fui ajudar a colocar os últimos arranjos nas mesas, colocar salgadinhos nas vasilhas (junto com a prima que havia feito o convite), e esperar os convidados.

O festival de personagens era quase infinito. 

Os desconhecidos amigos da aniversariante, que eu nunca vira mais gordos, as tias recauchutadas metidas a cocotas, a única tia que tenho prazer sincero de rever, o tio que chegou bêbado e se aproximou de mim como se não houvesse um passado negro envolvendo a minha família e a dele (mas não a nós dois, diretamente), completamente amigável e inclusive me convidando para visitá-lo (ah, o poder do álcool!), e aquele monte de primos que eu praticamente só vejo pelo Facebook. 

No fim das contas, o que se sucedeu foi uma sensação agridoce: percebi que desconheço muitos dos membros de minha família, desde que deixei de participar de eventos familiares, mas que ainda sou muito querido por outros tantos. As piadas, as brincadeiras, as tesouradas pela frente e pelas costas, aquele falatório alto, os anfitriões buscando agradar, as mesas da "ala mais jovem" separada da "ala da velha guarda"... Continua tudo lá, direitinho, como sempre foi. Até mesmo os motivos que me fizeram sair à francesa desse tipo de evento.

Entretanto, pude perceber que passado da terceira década de vida, o olhar sobre esse tipo de momento passa a ser outro. Já não existe mais a cobrança da parte da família sobre profissão, relacionamento, peso ideal. Cada um é o que é. Num ambiente onde não existem mais crianças (os primos já estão todos grandes, os tios envelhecendo), chegamos todos à época do foda-se. Não importa mais quem casou, quem envelheceu solteiro, quem está com corpinho de miss ou quem não está, quem é casado com gente do sexo oposto ou com gente do mesmo sexo. Claro que são questões que poderão, eventualmente, ter passado pela mente dos que não evoluíram tanto depois de todo esse tempo (e vamos admitir: dar importância a essas coisas a essa altura significa que você não tem uma vida própria da qual cuidar e vai dar conta da dos outros), mas atualmente, são coisas que deixaram de ser piada interna, ou feitas quando as famílias já estão todas separadas, indo de volta pra casa cada qual em seu carro.

Mais um bom aspecto da passagem do tempo, que vem para todos. Não adianta querer usar máscaras, porque um dia ou elas caem, ou não cabem mais no seu rosto. É assim, simples.

E foi por conta desse momento que compreendi que reunião de família não é assim tão ruim. Na verdade, pode até ser bem divertido, desde que se vá com a mente aberta, o coração tranquilo, e a compreensão de que o tempo, claro, passa pra todo mundo.
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13 Comentarios "Reunião de família"

  1. Meu primo, ameiiiii... e espero de coração que esses encontros deixem de ser tão raros, pois apesar das diferenças, dos conflitos e etc., família é família, o sangue sempre há de falar mais alto. Bjs! Paty

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  2. Marco, estou nesse momento lendo o livro "Memórias de uma gueixa" e achei os primeiros capítulos bem chatos até diminuir o ritmo da leitura por causa disso porém, agora já estou achando a história interessante vamos ver o restante.

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  3. Mary, antes de mais nada, conheço o trabalho da Banda de Boca, acho muito especial o que eles fazem.

    Quanto ao "Memórias de uma gueixa", é bem aquilo que te falei: tem que gostar da cultura japonesa, especialmente daquela época. Eu não o acho um SUPER livro. Na verdade, sequer entra no rol de grandes livros lidos por mim. É interessante como curiosidade cultural, e só. Estou lendo algumas coisas muitíssimo interessantes, mas vou escrever sobre elas nas próximas postagens.

    O que de bom você tem por aí pra ler? Ou o que planeja ler esse ano?

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  4. Marco, que bom que você conhece e gosta eles são excelentes mesmo! doida pra começar a nova temporada de shows da banda aqui em Salvador. Na verdade, todos os livros que tinha comprado já li pretendo ler "Os homens que não amavam as mulheres" indicação sua e alguns de Saramago não lidos por mim como "Jangada de Pedra" e Ensaio sobre a Lucidez" e também um de Roth qual você me indica? Abração.

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  5. Oi Marco,
    Que negócio é esse de entrar na era do f...?! Essa foi boa. Se tá gordo, barrigudo, solteiou ou casado, careca ou cabeludo, já eras...rsrsrsrs...
    Agora vou te colocar uma questão: as máscaras caem ou incorporam-se ao rosto, à ponto de fazerem parte dele?
    Segundo a psicanálise, as máscaras também somos nós. Intrigante, né?
    Abraços,
    Adriana

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  6. MARY -

    "Os homens que não amavam as mulheres" merece ser lido, sim. É um livraço que vai ficar melhor lá depois da página cento e pouco, quando se torna impossível largá-lo. Esse ano também irei de "Ensaio sobre a Lucidez" do Saramago, mas só. Quero ler apenas um dele por ano. Do Roth, depois de ter lido Nêmesis, te indico dois como próximo Roth: OU "Indignação" OU "O Teatro de Sabbath" - este último, tido como um dos clássicos do autor. Agora, quem ando indicando mesmo, e com louvor, é a Alice Munro. Vai nela que você vai sem erro! Qual a tua idade, Mary?

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  7. ADRIANA -

    Acho que, quando se usa uma máscara por muito tempo, chega-se a um momento em que já não se dá mais pra saber quem de verdade está por trás dela. Por ser muitos, plurais, polissêmicos, se usamos uma máscara, ela é sim, parte de nós. Mas ser parte de nós quer dizer que é parte da nossa essência? Duvido muito. Assim, acredito que, chega-se a um momento da vida em que se deseja fazer uma faxina em si mesmo, e o que não é essencial, deve cair. Não creio que máscara alguma faça parte do nosso eu mais profundo. Do rosto, talvez, mas ainda assim, por um tempo, porque mentira, seja para os outros, seja para si mesmo, só se sustenta por um tempo.

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    1. Hum...isso me tocou.
      Foi só uma provocação esta pergunta, pois até onde eu sei, na psicanálise, as máscaras se tornam, sim a própria pessoa, fazem parte da sua essência, pois são também uma forma de vc construir sua personalidade. Não devem ser levadas tão à sério, mesmo que sejam carregadas de hipocrisia ás vezes. Mas entendo e concordo com o que vc disse! Valeu, meu grande amigo! Abço, Adriana

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  8. Marco, obrigada mais uma vez pelas sugestões vou atrás deles e de Alice Munro também quanto a minha idade, tenho 21 anos.

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  9. Ahhh ano passado li um livro que achei muito bom chamado "Os Sete Minutos" de Irving Wallace conhece?

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  10. Acho que li Irving Wallace quando ele ainda era vivo, e ele morreu em 1990, daí você tira... hehehe Tô brincando. Mas foi no começo dos anos 90, sem dúvida. Na mesma época, adorava Harold Robbins e Sidney Sheldon. Era um barato, essa época, mas passou. Não sei por quê, mas passou. Quem sabe um dia retorno. Tenho ainda uns 2 ou 3 livros dele por ler. Nostalgia...

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  11. Também sinto nostalgia, já li muitos livros de Sidney Sheldon como "Nada Dura Sempre", "A Ira dos Anjos", "Conte-me Seus Sonhos" só pra citar alguns bons livros mas repetitivos, cansei dele logo.

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