Retrospectiva literária 2011

Fiz a minha retrospectiva ano passado, e pretendo fazer uma a cada ano. Tanto como uma forma de expurgar o que penso a respeito do que li (ainda que de uma forma apenas delineada) como também de compartilhar com os leitores deste blog as minhas impressões e, quem sabe, acabar por sugerir alguma coisa interessante, ainda que indiretamente.

Assim, dentre os 40 livros que li em 2011, aqui estão aqueles que considero imprescindíveis:

01) FELICIDADE DEMAIS - Alice Munro

Já escrevi sobre esta autora numa outra postagem, e de fato, ela foi o que me aconteceu de melhor na seara literária do ano que passou. Há tempos uma escritora (ou escritor) não me cativava como a Alice o fez. Neste livro, temos dez contos distribuídos em pouco mais de trezentas páginas (na versão em Inglês). Alice, de quem se diz que um conto vale por todo um romance, faz valer esta afirmação com este livro extraordinário. Cada conto traz personagens tratados com profundidade, em tramas repletas de ironia, dor, alegria, superação, tragédia, idas e vindas e tantas outras coisas que só a leitura poderia dizer a força que a literatura desta mulher tem. A melhor obra que li em muito, muito tempo.

02) PATRIMÔNIO (PATRIMONY) - Philip Roth 

Li apenas este livro de Roth em 2011. O suficiente para ele figurar na minha lista de melhores do ano. Não há edição desse livro em Português, a não ser em Português de Portugal, o que é uma pena. Nesta obra, que não é um romance, Roth lida com as questões que advêm da sua relação com o pai. Relembrando a figura paterna da infância até a velhice e o momento em que se descobriu que o pai tinha um tumor no cérebro, Roth desnuda o que há de mais vasto e profundo nas relações entre pais e filhos através da ótica da sua própria família. É um livro lírico, de uma beleza rara. E olha que se diz que Roth é um cara fechadão, até meio difícil de lidar (o que parece ser verdade, observando-se as entrevistas dele na internet). Mas, neste livro, a sensação que fica é a de um autor que quis, pura e simplesmente, adentrar nos recônditos daquele que foi um homem importante no homem que ele se tornou. Um livro que deveria ser lido por todos aqueles que sabem que família é, realmente, uma fábrica de neuroses.

03) A VIAGEM DO ELEFANTE - José Saramago

Depois que Saramago morreu, fiquei meio reticente em ler suas obras. Isso porque, um dia, não vou mais ter o que ler dele, e isso me dá uma tristeza antecipada. Claro que é um pensamento idiota, eu posso muito bem morrer atropelado hoje mesmo e deixar um monte de livros dele por ler, o que seria uma droga, mas supondo que ainda viverei alguns anos mais, fica o sentimento. Assim, peguei este livro pra ler logo no começo do ano. Eu sabia da dificuldade que havia sido para escrever este romance. No meio da escrita, Saramago havia enfrentado sua primeira grande crise por conta da doença que terminou por matá-lo (na segunda crise ele morreu), mas não se abalou por isso, e continuou a escrever assim que pôde, depois de longo período de internação e convalescença. O romance é uma declaração de amor à literatura, tem-se uma sensação quase que machadiana ao ler este livro, com o autor interagindo com o leitor de uma forma única, fazendo sua ironia e seu usual humor parecer que o autor é um amigo, um companheiro. Fazendo do mote aparentemente simples (um elefante que é dado por Dom João 3o e sua esposa ao arquiduque da Áustria, no século XVI e o caminho que ele tem de percorrer de Portugal até lá) uma análise social de dar inveja a muitos. Um livro repleto de fantasia, humor, e a costumeira criticidade Saramaguiana. Fantástico.

04) FUN HOME (FUN HOME - UMA TRAGICOMÉDIA EM FAMÍLIA) - Alison Bechdel

Esta foi minha primeira incursão séria no mundo dos graphic novels - ou romances gráficos, como queiram, por intermédio de uma amiga que sempre me dizia que há, sim, excelentes romances contados através dos quadrinhos. Nesta livro, temos a história da autora, que, assim como o já mencionado Patrimony, narra sua relação com o pai, que era repressor e controlador, e que ela amou e odiou ao longo da vida até sua morte, que pode ter sido um mero acidente - ou não. Um livro bastante entremeado por questões psicológicas, que trata da descoberta (da homossexualidade da autora, e da descoberta de que o pai também era homossexual, com o consentimento da mãe), da emancipação e, basicamente, dos desafios da vida. É um romance de formação por excelência, com traços marcantes e uma história de deixar qualquer leitor virando página após página.

05) 70 HISTORINHAS - Carlos Drummond de Andrade

A nostalgia é uma saudade de tempos passados ou é mais ocasionada pela insatisfação com o presente? É um questionamento que me faço, embora eu esteja mais inclinado a acreditar que, para algumas coisas é saudade de algo que se sabe que não volta mais (subir em árvores e comer frutas do pé - meus ossos e peso já não permitem mais - , um cheiro da infância, alguém que se foi) e, em outros, é simplesmente uma amarga sensação de que o que há agora nem de longe é ou será tão bom quanto o que já se foi no tempo. Este livro do Drummond, repleto de crônicas deliciosas, se encaixa na primeira teoria. Eu lia Drummond avidamente na infância, e lembro de mim mesmo deitado na cama, janelas abertas, me envolvendo nas delícias de ler suas historinhas saborosas, um deleite para a imaginação e para a alma. Este livro é exatamente isso: um deleite. Histórias curtas, repletas de humor e crítica social, através do olhar sempre poético de nosso grande escritor.

06) INSTRUÇÕES PARA SALVAR O MUNDO - Rosa Montero

Embora não seja um livro tão maravilhoso quanto outros que li da autora (como A filha do canibal e A louca da casa), Instruções para salvar o mundo é sem dúvida uma ótima obra. Aqui, encontramos um taxista que não consegue superar a morte da mulher, um médico desiludido com a vida, uma cientista meio amarga que é pura sabedoria, e uma prostituta que ama uma lagartixa meio mágica - e que clama por vida. Em histórias que se cruzam para transformar a vida de cada um deles (e a nossa), a espanhola Rosa Montero consegue ser única, mais uma vez.

07) FELIZ POR NADA - Martha Medeiros

Martha é uma escritora de crônicas com uma voz só dela. Tradutora das sensibilidades e dores humanas, Martha consegue, nessa nova coletânea, nos fazer refletir, sorrir, sentir raiva, dor, e claro, felicidade. Dona de um estilo inconfundível, a cada nova coletânea, Martha Medeiros se firma mais profundamente como uma das melhores autoras da contemporaneidade. Um livro maravilhoso para se ler e reler em momentos diferentes da vida.

08) AXILAS E OUTRAS HISTÓRIAS INDECOROSAS - Rubem Fonseca

Digam o que quiser sobre as mais recentes obras de Rubem Fonseca, mas ele permanece um clássico. Nessa nova coletânea, o autor mostra que permanece um mestre. Todas as suas obsessões, seu politicamente incorreto e sua verve permanecem aqui. Em tramas que vão de mães que odeiam seus filhos, a pessoas que cometem vinganças por amor, eis aqui um punhado de contos bastante sensíveis (o primeiro do livro até me fez verter algumas lágrimas), e de um modo que eu nunca vira antes no Fonsecão. Muito bom.


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15 Comentarios "Retrospectiva literária 2011"

  1. Muito boa a sua lista de livros Marco! Acabei de ler "Nêmesis" hoje pela manhã e achei excelente! o protagonista foi mesmo destruído de uma forma especial no final hehehe agora vou partir pro "Memórias de uma Gueixa" e pretendo comprar "Os homens que não amavam as mulheres" que você me indicou Abraços.

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  2. Oi, Mary! Coisa boa que vc resolveu participar. Engraçado que algumas pessoas as vezes me procuram no facebook e e-mail pra dizer que sempre lêem mas não participam, pelos mais diversos motivos possíveis.

    Que bom que vc resolveu sair dessa vertente e dar sua voz. Sempre bem-vinda pra contribuir. "Nêmesis" é realmente um livro sensacional. Foi seu primeiro Roth? "Os homens que não amavam as mulheres" foi uma indicação de uma amiga minha muito querida, a Adriana, que também participa desse blog vez por outra. Com mais frequência, participa da minha vida, já que somos bons e queridos amigos. E foi uma grande leitura, sem dúvida. Este ano, pretendo ler o segundo volume, assim que eu assistir ao filme. :) Nossa, quantos livros tenho pra ler este ano! Abração!

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  3. Olá! Que bom que eu possa estar contribuindo de forma bacana aqui no blog sim, foi o meu primeiro livro de Philip Roth vou atrás de outros dele! PS: Estou na espera da resenha de "Claraboia".

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  4. A resenha de "Claraboia" vai demorar um pouco. Para isso, pretendo relê-lo em algum momento este ano, e também ler "Ensaio sobre a Lucidez", que nunca li, acredita? E é porque adorei o "Ensaio sobre a cegueira", e neste temos vários dos personagens deste romance retornando... Mas quando eu tiver mais um tempinho para refazer a leitura, venho fazer a resenha, com certeza. Enquanto isso vou atualizando com algumas crônicas e outras resenhas também. Abraço.

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  5. Ok! já estou na espera "Ensaio sobre a cegueira" é excelente baita livro! um dos meus prediletos dele ao lado de "Memorial do Convento" e "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" também nunca li "Ensaio sobre a Lucidez" e sobre música o que você costuma ouvir quais artistas, bandas?

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  6. Marco, meu querido!!
    Acredita que não li nenhum dos livros que vc aponta aqui como os seus melhores de 2011?
    Penso que esse PATRIMÔNIO deve ser muito bom, porque li do Philip Roth A Humilhação e gostei demais.
    Outros autores que tenho em grande conta e que aparecem na sua lista são: Rubem Fonseca (do qual li "Vastas emoções e pensamentos imperfeitos" e "O caso Morel"); Carlos Drummond de Andrade e o já sabido por vc e por todos que me rodeiam, virtualmente ou não: José Saramago!
    Muito bom ler vc, Marcos!!

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  7. Ah, e como me esquecer da minha xará, a Rosa Montero e seu maravilhosoooo "História do Rei Transparente"?? Dela tb gostei muito de "A Louca da Casa", mas HRT, na minha opinião, é o melhor que li da autora, até agora!!

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  8. Rosa, minha delicada flor, você TEM DE LER "Felicidade Demais", da Alice Munro! Um livro ÚNICO, sem adjetivos para falar dessa escritora... Vc vai adorar!

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  9. Mary, desculpa só estar retomando agora: olha, gosto de ouvir TANTA coisa que nem sei. Quando era mais jovem, adorava ouvir Pretenders, uma banda de rock dos anos 70 (mas ativa até hoje) que fez muito a minha cabeça. Hoje, adoro música clássica (Chopin, Bethoven, Mahler, Mozart etc) e ultimamente tenho ouvido bastante uma banda francesa chamada Nouvelle Vague, que é ótima, e uma cantora de jazz e blues sensacional chamada Etta James. E vc?

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  10. Eu gosto muito de Música Popular Brasileira artistas da velha guarda da MPB como alguns da nova geração também ouço bastante Rock N´Roll dos mais diversos estilos menos Hardcore! Samba de Raiz, Samba choro e claro, Blues e Jazz não pode faltar na minha playlist.

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  11. Sim, sim, Mary - MPB é sem dúvida maravilhosa. Temos cantores excelentes, como também temos gente muito boa na nossa literatura. E também adoro samba de raiz, adoro Beth Carvalho, por exemplo. :)

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  12. Samba de Raiz, gosto de Paulinho Da Viola, Cartola e Candeia você já me deu ótimas sugestões agora gostaria de sugerir um grupo vocal a capella que faz a reprodução do som de instrumentos musicais com a voz não sei se você conhece ou já ouviu falar,chamado Banda de Boca dá uma fuçada Abraços!

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  13. Destes, só gostei do Drummond...rsrsrsrs...não brigue comigo, por favor...rrsrsrsrs

    É porque não li a Munro, tampouco a Rosa. Gosto mais da Allende, como te disse!

    Detesto Roth. Desculpe, mas é verdade. Ele e o Fonsecão, tô fora...rsrsrsrs...

    Agora vc não fala mais comigo...rs.

    Abraços!

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  14. Bom, é uma questão particular, o prazer que temos de ler livros.... De qualquer forma, não diga que você "só gostou" do Drummond, se não leu a Bechdel, nem a Martha, nem o Saramago... :P Aliás, quando você ler a Munro, aí você vem aqui e me diz o que pensa dela heheheh

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  15. É verdade, foi só uma provocação! Aguardo sua resposta das listas dos autores preferidos!!!!
    Beleza, fica combinado que quando eu ler a Munro, vou postar aqui!!!!
    Abrçaos!
    Adri

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