Como é bom viver: um adeus ao querido Moacyr Scliar


Foi em 2001, ainda na casa dos vinte anos, que um amigo chegou pra mim e disse: "Você já leu Moacyr Scliar?" Ao que eu respondi: "Li uns dois livros dele, desses voltados pra adolescentes, quando ainda nessa fase da vida, e só". Dada essa resposta, ouvi o sermão, acompanhado de uma cara de reprovação, vindos do amigo. Resumo da história: como podia eu, "daquela idade", nunca ter lido nenhum livro mais, digamos, "adulto", do Scliar?
Hoje eu me pergunto: Como, mesmo? Embora ainda jovem, acredito realmente ter descoberto o Moacyr Scliar tarde em minha vida. E isso porque, quando o li ainda numa tenra idade, não me atentei para ler sua obra adulta, algo que já fazia mesmo adolescente - o que só aconteceria na ocasião de 2001.
Foi então que caiu em minhas mãos "A mulher que escreveu a Bíblia". Apaixonei-me pelo texto, pelo humor, pela perspicácia. Sem contar que o assunto muito me instiga. Moacyr virou um grande companheiro, alguém em quem eu via a possibilidade até mesmo de trazer um Nobel da Literatura para o nosso país.
Homem de produção vasta (mais de oitenta livros publicados!), escrevia nos mais diversos gêneros - romances, contos, crônicas, ensaios - e sempre dizia que conseguia escrever em qualquer lugar: avião, sala de espera, qualquer lugar era lugar para produzir. E como ele o fez!
Interessante é que, nesse tempo todo eu, que sempre gostei de escrever para os autores dos quais gosto, nunca escrevi para o Moacyr. Não sei exatamente por qual motivo, mas nunca o fiz. Foi então que, em agosto de 2010, zapeando pela TV após um dia de trabalho, vi que o Roda Viva, programa da TV Cultura, iria começar e o entrevistado era, justamente... Moacyr Scliar! Lembro que nem fui mais tomar banho imediatamente, como sempre faço. Corri à cozinha, peguei algo para comer, e voltei para a frente da televisão. E sinto que postergar meu banho foi a melhor coisa que fiz. A entrevista de Moacyr (que você pode ver clicando neste link) foi dessas coisas lindas e raras que ainda fazem valer a pena ter uma TV em casa. Seu senso de humor, inteligência, positividade em relação à vida e ao futuro... sua humanidade, enfim, fizeram daquele meu fim de noite uma dádiva.
Terminada a entrevista, sabia que deveria escrever para ele. Eu sentia uma urgência que parecia até premonitória. Escrevi uma carta de três páginas que enviei para sua editora em São Paulo. À época, eu estava já lendo seu mais recente romance (que viria também a ser o último), Eu vos abraço, milhões, e mencionei isso na carta. A resposta não demorou. Ele mandou o endereço dele no remetente, e endereçou a carta ao "Professor Marco Aurélio", em menção à minha profissão, que eu havia mencionado na carta. Ele escreveu, de punho, duas páginas curtas e memoráveis, que guardarei para sempre com enorme carinho.
Não parei mais de acompanhar o Moacyr, já na expectativa de coisas novas. Então, em 17 de janeiro, li na internet que ele havia sofrido um AVC. Lembro que minha reação imediata foi a de não acreditar. Como assim, aquele homem lépido, lúcido, com uma mente sagaz, de 73 anos mas com um jeitão tão mais jovem, ter sofrido um AVC? Busquei saber como ele estava. Soube que ele já estava no hospital para a retirada de tumores benignos do intestino quando sofreu. Aquilo me deu um conforto. Achei que, por ele já estar no hospital, havia sido atendido rapidamente e teria mais chance de recuperar-se.
Cinquenta e tantos dias depois, a luta de Moacyr pela vida chegava ao fim. Poucas pessoas compreenderiam a dor que senti e que tentei disfarçar - justamente porque a maioria das pessoas que me cercam não a entenderiam.
A última frase de seu último livro é uma verdade bem simples: "Como é bom viver". Sim, ele sabia disso. Sinto que Moacyr deixou uma obra incompleta, apesar de suas oito dezenas de livros. Ele ainda tinha tanta vontade de viver e escrever, escrever, escrever. Era só ouvi-lo falar sobre a escrita e a vida para entender como aquele homem ainda produziria, facilmente, até os 173 anos. Mas não foi assim, infelizmente.
É, Moacyr, aquele abraço que disse que iria te dar um dia vai ter que ser adiado por alguns anos. Mas aguarde, meu amigo. Eu não desisti dele, não. Viver é realmente a melhor parte da vida, Moacyr, e você sabia disso. Ainda tenho muito a fazer, meu caro, mas um dia compartilharemos muitos papos e sorrisos, quando nos encontrarmos noutro lugar.
Ficam, deste lado da Vida, a alegria porque um dia trocamos algumas poucas palavras. Mas mais do que isso, levarei comigo esse seu sorriso alegre, sua atitude positiva em relação ao mundo, e sua crença de que este lugar ainda tem jeito.
E sim: também levarei a saudade.
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4 Comentarios "Como é bom viver: um adeus ao querido Moacyr Scliar"

  1. Marco, muito bonito seu texto.
    Escritor que a gente ama, a gente leva junto toda vida.
    Li uma entrevista dele onde dizia que a literatura, se não muda o mundo, muda as pessoas, e isso já ajuda.
    Um abraço.

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  2. teeeeeeeacher tá tudo massa tudo no blog, mas dê uma olhada no seu orkut no scrap q eu te enviei !! oooooooo mais rápido possívellL!!!
    ASS: ANITAAAAAAAAAA

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  3. Nossa, que texto profundo. Que texto maravilhoso! Parabéns pelas belíssimas e coerentes palavras!
    Sucesso!

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  4. Obrigado pelas palavras, Marcelle. Volte sempre!

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