Stephen King, oito anos depois

Quando se tem trinta e poucos anos, ao olhar para trás pode-se ter a impressão de que apenas alguns anos se passaram, ou de que uma vida inteira, de certa forma, ficou atrás de si, tal é a dinâmica em que se vive hoje.

Às vezes parece-me que trinta e poucos é a adolescência da fase adulta da vida. Essa incipiência que prediz o que será, mas que por enquanto é apenas um "parece-ser". 

Ao longo do tempo, na minha formação como leitor, muita coisa boa e ruim foi lida, muita coisa que me ajudou para criar o leitor que hoje sou - assim como o professor, o amigo, o dono de opiniões próprias, o homem. Sem arrependimentos. Olho para a quantidade de livros que tenho e que já li, e me dou conta de que a maioria das minhas horas de esbórnia foram gastas entre o que estava lendo e o que queria ler, o livro seguinte, a página seguinte. 

No meio de todo esse universo, há um escritor, dentre tantos outros, que sempre esteve comigo, mesmo quando não estava na minha cabeceira, e é dele e da experiência de lê-lo que quero tratar hoje.

O primeiro livro do Stephen King que peguei pra ler foi A hora da zona morta, e eu devia ter uns  dez anos. Nunca antes eu tinha lido nada que me absorvesse tanto. E olha que este romance tem um pano de fundo meio político, e embora essa seja hoje uma das minhas paixões, naquela época, isso seria algo que tornaria o livro mais confuso e lento aos olhos de uma criança. E lembro que tornou, mesmo. Eu entendia pouco essa parte, mas prossegui porque a história em si era maravilhosa.

O interesse pelo autor, até então um completo desconhecido pra mim (quem não era, quando se tem dez anos? Pedro Bandeira ou Monteiro Lobato, no máximo), adveio do filme Cemitério maldito, que eu havia assistido com a minha irmã em alguma noite após nossos pais terem ido dormir. Ali, de olhos vidrados, apareceu uma informação: "based on the novel by Stephen King". Calculei, do alto da minha sabedoria, que aquele homem deveria ter escrito a história na qual se baseava aquele filme. Como naquele tempo minha memória era até boa, o nome ficou guardado.

Daí que, quando minha mãe me levou para a biblioteca do trabalho dela, aquele nome me saltou aos olhos assim que o vi, e peguei o primeiro livro dele que minha mão tocou (naquele ponto, qualquer um servia, afinal).

Depois veio O cemitério, baseado no já mencionado filme. A partir daí, intercalando com outras leituras, li outros clássicos do autor, como O iluminado, e tempos depois, À espera de um milagre, uma das obras mais emocionantes que já li na vida.


Dessa maneira os anos foram passando, com os livros do autor adentrando a minha vida de alguma maneira, sempre me seduzindo pela prosa bem urdida, personagens bem construídos e pela trama extremamente intrigante. 

Aí, em 2006, li Cell (Celular), assim que o livro foi lançado. Achei-o fraco. Bem fraco. Nunca gostei de histórias de zumbi, e aquela não me cativou. King havia mudado ou algo havia mudado em mim?

Nunca respondi a essa pergunta (embora eu soubesse a resposta desde sempre: nem eu era mais o mesmo como leitor, nem ele o mesmo jovem de vinte e poucos anos que escrevera Carrie, a estranha, lógico). Nunca me importei de verdade com minha auto-provocação. O certo é que o tempo passou.

Foram longos oito anos de inverno. Sempre muito prolífico, King publica pelo menos um livro por ano. E eu sempre o compro, se não no mesmo ano, no ano seguinte, quando consigo adquiri-lo por um preço melhor. Acumulei várias obras dele, portanto.

Até que, este ano, ganhei Doctor Sleep de presente. A tão esperada continuação de O iluminado, finalmente materializada diante de mim. Resolvi, então, que quase uma década depois, eu retornaria ao King. 

E foi quando eu compreendi, verdadeiramente, que ninguém tem um sobrenome desses à toa. Não vou dizer que estes anos todos sem ler uma obra do autor fizeram bem a mim, por eu agora poder fazer um julgamento de valor com "mais propriedade" ou algo que o valha. Absolutamente. Provavelmente eu deveria ter continuado a lê-lo. Mas foram tantas e tão extraordinárias as descobertas nos últimos anos, com outros autores chegando à minha vida e eu recebendo-os de braços abertos, que o preconceito por ele ser um "autor best-seller" me fizeram torcer o nariz e refutá-lo, apesar de saber que um dia, em algum momento, eu retornaria para sua obra (daí a razão de eu continuar comprando seus livros).

Doctor Sleep, ainda sem tradução para o português, é uma sequência genial para um romance clássico. Comparações têm havido, e haverão sempre. Como o próprio autor comenta numa nota após o livro, sua escrita mudou ao longo dos anos, e a verdade é que hoje é bem mais difícil assustar as pessoas do que nos tempos kitsch dos anos 80. 




Ler Stephen King, contudo, continua a ser um momento de fruição. O ato da leitura por si mesmo já encerra essa característica. Enredados pelas intempéries da vida, nós, amantes da literatura, sabemos o poder que um bom livro tem. Com Stephen King, entretanto, o sentido da leitura ganha outros parâmetros. Quem conhece o autor, sabe da sua tendência a ser verborrágico, por vezes. D'outras tantas, os leitores consideram seus finais bastante pífios. O que eu tenho a dizer sobre isso é: a literatura não é um rio que desemboca no mar. A literatura é um oceano que se derrama e se espalha pelo todo, por tudo, e em lugar nenhum. Não há finais ruins: há finais diferentes daqueles que você gostaria. E, se ele se alonga, às vezes, sua dita prolixidade apenas ajuda na construção dos personagens e da trama. É como ele constrói a trama para o leitor: quem achar ruim que vá ler gibi.


Pegar um livro de Stephen King também não significa que você vai ler um "livro de terror". Suas tramas vão muito além disso, e sua obra, bastante vasta, fala por si só. Quatro estações, por exemplo, é um livro composto por quatro novelas que deram origem a três filmes: Um sonho de liberdade, O aprendiz e Conta comigo. Nenhum deles, filme de terror. Ao contrário. Filmes poéticos, que falam da amizade, da ressurreição, da superação dos próprios medos, traumas e limites, e da capacidade de escapar de situações extremas.

Leia sua obra sem fazer pré-julgamentos, dispa-se de preconceito, e você encontrará um autor para amar. Percebo que, desta vez, não o abandonarei por tanto tempo. Se porventura voltar a passar algum tempo sem lê-lo, será por um período breve. Agora, quero dedicar-me a descobrir o que ainda não li. Longo inverno novamente? Jamais.

Acredite: Stephen King será lido daqui a muitos e muitos anos. Será estudado em cursos de literatura de grandes universidades, e sem dúvida, permanecerá entre nós mesmo quando não estiver mais neste lado da vida. 
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5 Comentarios "Stephen King, oito anos depois"

  1. Bárbaro!!! Adorei sua resenha, não fica com fírulas intelectuais e é bem honesta!
    Me diz: vc já leu o super clássico dele, "A Dança da Morte"?
    E o "Sob a Redoma"?
    Resenhe estes dois, por favor!
    Bjão,
    Adriana Godoy

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  2. quando me deparo com um texto como este, quase uma tese, leio, releio e como fã me comparo. tive o mesmo problema com celular, é um livro limite, um livro de passagem, desses que o escritor precisa escrever, mas que sabe que faltará qualidade, é apenas um vômito literário. à partir dele king se tornou um outro escritor, um escritor que me toca com poesia, não mais com fantasia. mas você diria: ele não escreve mais livros de terror? sim, ele os escreve, mas não é o mote, o que vale em seus livros são os relacionamentos, os questionamentos à vida. mas é o resto? e eu digo que não existe "o resto", tudo nos livros de king têm um porquê, e se ele já não mata 50 personagens e coloca mais 100 num mesmo livro é porque esta fase passou, mas o prazer de lê-lo não irá passar nunca, porque a cada livro sinto-me mais maduro e a escrita do mestre me acompanha.

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  3. Adriana: obrigado pelas palavras. Ainda não li "A dança da morte", um de seus grandes clássicos, nem "Sob a redoma", mas ambos serão dos próximos a serem lidos. Primeiro "A dança da morte", em 2015. Assim que o fizer, resenharei aqui. Beijo!

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  4. Rodolfo: nossa, quanta generosidade com as palavras! Mas que nada, escrevi esse texto com o computador no colo, entre um afazer e outro... A ideia era escrever algo melhor, mas infelizmente, não consegui (e precisava atualizar o blog, então foi esse mesmo). E sim, concordo com você: King vem se lapidando ao longo dos anos, tem sido um processo natural pra ele - e isso é ótimo.

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  5. Ok, Marco, aguardarei. Ainda não os li, mas quero ler pra próximo, e quero muito uma opinião como a sua! Já li em vários blogs que A Dança da Morte é o melhor, e que Sob a Redoma faz juz! Parece que é um consenso entre os fãs. Aguardo sua opinião, meu amigo! Mega beijo!

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