
E aviso logo que não estou aqui pra falar novidade alguma (tem
como, sendo esse o tópico?). “Por que escrever sobre o assunto, então?”, já
posso ouvir vocês perguntando daí. E eu respondo: porque sim. Porque eu quero e
acho que devo. Além do mais, eu também tenho história pra contar a esse
respeito. Estou aqui, na verdade, por dois motivos bárbaros (segundo a
definição dos gregos e romanos, por favor): 1) falar da minha relação com a
dita categoria de livros. (Fazer relato pessoal não deixa de ser uma boa
oportunidade para trocar ideias) e 2) para defender essas obras de gosto
duvidoso (e seus leitores também).
A fim de uma conversinha de pé de ouvido? Então vem.
Nunca ouvi falar de ninguém – ninguém mesmo, zero, nada – que
tenha começado a ler por obras já consideradas estupendas, importantes etc e
tal. Aliás, existem dessas obras que hoje são consideradas ícones, mas que, na
época de sua publicação, eram populares que nem pão quente. Exemplo disso?
Charles Dickens. Dickens era o Sidney Sheldon, o Harry Potter, os vampiros do Crepúsculo, da Era Vitoriana, em termos
de vendas. Seus livros chegavam de navio, e tinha gente pulando dentro d’água
no afã de pegá-los o quanto antes (talvez sem lembrar que para isso o livro
teria de ficar encharcado, mas naquele tempo ninguém sabia ainda o que é
histeria coletiva. Tenho minha dúvidas se hoje sabem, também). E atualmente,
embora quase ninguém o leia, ele é considerado um “grande autor”, seja lá o que
isso possa significar nas entrelinhas.
Pois bem, retomemos minha apologia ao best-seller.

A partir daí, não parei mais. Com pouco tempo, estava lendo a
série Vaga-lume, outro enorme best-seller. Aliás, era o que a moçada da minha
geração mais lia naqueles tempos. Uma série inesquecível que até hoje reverbera
em muitos dos caminhos que tomei enquanto leitor. Os livros de Marcos Rey, ou
clássicos como O Escaravelho do Diabo,
Éramos Seis, A Ilha Perdida, dentre tantos outros, quem nunca?
Descobrir outros best-sellers da época, tais como Sidney
Sheldon, Danielle Steel Harold Robbins,
Agatha Christie, foi uma questão de (pouquíssimo) tempo. E eu devorava tudo,
compartilhava tudo o que podia, trocava muitas coisas além dos livros: ideias,
reflexões, pensamentos. E foi também quando o amor pela literatura se
estabeleceu para sempre. Incondicionalmente. Não é à toa que eu digo que minha
relação mais duradoura na vida não é com gente: é com os livros.
Foi mais ou menos por essa época, também, que eu vi o primeiro
nariz ser torcido para aquilo que eu lia. Não me perguntem qual era o livro,
mas certamente era alguém da turma mencionada acima, ou algo muito semelhante.
Ouvi algo do tipo, “isso não é literatura. Quer ler algo que preste, vá ler
Camus, Zola, Machado de Assis, Calvino blá blá blá” – a lista foi longa.
Bocejei na cara do sujeito e continuei minha leitura.
Tempos depois, eu viria a descobrir esses e muitos outros da
lista, mencionados ou não, sempre gostando mais de uns, menos de outros e nada
de outros. Émile Zola, por exemplo, é um que não desce e eu não gasto mais meu
tempo com ele.
Longos anos mais tarde, quando eu já havia dado uma guinada no
tipo de livro que lia, surgiram outros campeões de vendas, Harry Potter e a
saga Crepúsculo encabeçando a lista. Inicialmente, eu quis seguir a maioria
execradora de livros e leitores de best-sellers. E quando meu nariz também se
preparava pra torcer, eu me dei conta: menos moralismo, por favor. Você começou
pelo equivalente a todos esses que estão aí.
Eu achava muito estranho aquelas vendas estratosféricas (não sei
se Sidney Sheldon vendia como um Harry Potter, embora tivesse edições
sucessivas de seus livros nos tempos áureos, mas a impressão que eu tinha, era
que os best-sellers do final dos anos 90 em diante vendiam mais, bem mais). No
fundo, eu tinha era inveja. Queria escrever, queria ser um deles, e minha
reação era chamar de feio o que não era espelho, fazer uvas maduras se passarem
por verdes.
Ler best-seller é sempre melhor do que não ler coisa alguma.
Livros são vertentes para a vida, e a vida é, na maioria dos casos, melhor do
que a morte. Viver implica em criar, em transgredir, em se reinventar. A
leitura escancara todas essas possibilidades. É arte. Octavio Paz já dizia que
o homem nada mais é do que imaginação e desejo. É através do sublime ato
criador que podemos chegar aos píncaros do gozo.
E tem mais: esperneiem-se o quanto quiserem com a hipocrisia
moralista, ninguém nunca vai tirar os best-sellers de mercado. Na verdade, a
tendência é que estes continuem flamejantes nas prateleiras, nos e-readers, e quem tem de se cuidar são
os autores da dita “literatura séria” (o que, convenhamos, também é uma
lástima).
Ainda hoje, passados trinta anos daquele primeiro best-seller,
me custa compreender por que as pessoas têm tanto prazer em cuspir em quem lê
livros que estão nas listas dos mais vendidos. Não raro, leitores evoluem, por
mais que se diga o contrário. E voltando ao que eu disse no começo, não conheço
um só ser humano que tenha se voltado para o mundo da leitura sem antes ter
passado pelo conjunto dos livros que vendem aos milhares ou milhões.
Ninguém tem a obrigação de ler Harry Potter, nem toda essa gama
de livros que elevam o sexo em seus livros à condição de protagonistas, acima
inclusive de tramas mais elaboradas. Nem livros sobre vampiros, nem a última
moda em torno de bestas que se veem convivendo com seres humanos, os zumbis,
além de Dan Brown e seu detetive que desvenda códigos. Isso para não falar em Paulo Coelho , Martha
Medeiros e esse monte de padre enrustido que publica livro adoidado e que
também vendem em quantidades grandiloquentes, coisa de deixar todos os outros
escritores brasileiros se doendo de inveja.
Daí você pode me ver e perguntar, E como é a sua relação com estes livros? Quase
nula, responderei com serenidade. Um ou dois, dentre os quase cinquenta livros
que leio a cada ano. E isso não invalida sua defesa?, alguns perguntarão, quase
apontando um dedo. Tanto quanto invalidaria um heterossexual por defender os
direitos de um homossexual, ou de alguém em pleno controle de seu corpo
defender os direitos de alguém com graves limitações. Portanto, não. O fato de
eu (quase) não ler best-sellers não me tira o direito de apoiar aqueles que o
fazem.
Evidentemente, estaria sendo hipócrita se dissesse aqui que não
mantenho um fio de esperança de que este grupo de leitores – a maioria, diga-se
de passagem – possa vir a ler outras coisas. Mas e daí se não o fizerem? Estão
lendo, estão consumindo livros.
E nos dias que correm, qualquer coisa que tire alguém da frente
do Faustão e afins é lucro. Se é pra perder tempo com mero entretenimento, pelo
menos o fazem em silêncio, sem tirar o juízo de ninguém, com uma televisão
desligada, ao invés de ligada em programecos dominicais.
De resto, que a gente possa ouvir What a wonderful world acreditando em cada palavra do que canta
Louis Armstrong. Se tudo vai contra ele, o que nos resta é a esperança. E o
mundo bem pode ser sim, maravilhoso.
É só a gente começar a parar de se incomodar com o que o outro anda
fazendo, vendo, lendo. A literatura não pode ser – não deveria ser – mais um fator de segregação entre as pessoas. A
verdade não poderia ser mais clara: ao nos incomodarmos menos com a vida dos
outros, passamos a viver a nossa. E é bem aí que poucos enxergam estar a possibilidade da transgressão. O necessário passo que se dá e que te faz saltar por cima de um abismo, que é você mesmo.
Boa,Marco! Ainda tenho alguns exemplares de best sellers do tempo do Círculo do Livro e creio que são melhores do que muita literatura considerada "in", que anda circulando por aí.
ResponderExcluirNa verdade, estou até com medo de morder minha língua, mas analisando aqui minha iniciação ao mundo literário, acho que sou a única pessoa do mundo que iniciou os hábitos de leitura sem gostar dos best sellers. Eu tinha horror a Pedro Bandeira quando era adolescente, embora nunca tenha nem lido (talvez por influência do preconceito literário exacerbado da minha mãe) e devorava os clássicos. Fui descobrir os best sellers depois de velha! Torcia muito o nariz pra Harry Potter. Li há dois anos atrás e me apaixonei pela saga. Virei tiete da Martha Medeiros (por tua causa inclusive) e estou bem mais aberta a esse tipo de leitura hoje em dia. Aliás, esse conceito é bem relativo, né? Um livro considerado canônico pode vender feito banana também. Sem contar que o que era best seller pode virar canônico com o passar dos anos... É mais uma questão de recepção da crítica do que de qualidade propriamente dita. Hoje em dia eu e minha mãe temos discussões acaloradas porque ela não acredita na literatura contemporânea e acha que a literatura morreu, e eu discordo veementemente desse pensamento.
ResponderExcluirExcelente o texto!
ResponderExcluirAinda bem que não existe um só tipo de escritor. Ainda bem que não existe um só tipo de leitor. Cada um é livre pra escrever o que quer, ler o que quer, desde que com respeito, ética e responsabilidade.
Eu também defendo!