O novo velho novo


Como o nosso olhar para o mundo faz com que tenhamos a ideia de que tudo é e tem de ser numa velocidade supersônica


Há algumas semanas, andei sabendo que durante a gravação de uma homenagem para o aniversário de 40 anos da apresentadora Angélica, um de seus filhos disse algo como "... apesar de estar velha, você é muito bonita". Perguntei, Qual a idade do menino? Uns oito ou nove, me disseram. Eu apenas sorri. Nada de extraordinário. É muito difícil esperar que uma criança com menos de uma década de vida consiga fazer julgamentos cronológicos corretos. Aliás, hoje em dia, com tantos artifícios para sermos mais jovens esteticamente, está cada vez mais difícil é pra qualquer um tentar adivinhar a idade dos outros. Portanto, até aí tudo bem.

Mas ocorre que dia desses fui dar uma aula em que trabalhávamos a ideia de adjetivos opostos em inglês. Bonito/feio, quente/frio, esse tipo de par que usamos, algumas vezes, para ensinar novas palavras. Pedi exemplo de algo "novo". Não lembro a resposta que ouvi do aluno, mas lembro-me bem de que fiquei satisfeito. E algo velho? Meu prédio, foi a resposta que ouvi.

Imediatamente, minha mente desceu os quatro andares e foi até uma placa que tem bem ao lado do elevador, informando que o prédio havia sido entregue aos moradores há... oito anos. O prédio considerado velho tem a idade do filho da Angélica. Só que, dessa vez, o dono da resposta não era uma criança, mas um adulto. Um adulto de mais de trinta anos.

Confesso que aquela resposta me pegou de surpresa, e me deixou muito reflexivo. Terminada a aula, fui para casa com aquilo na cabeça. Como é que alguém pode considerar um prédio de oito anos de idade (ou dez, ou doze), velho? O prédio é bonito, bem conservado, o apartamento é amplo, iluminado e arejado. Aquilo não fazia sentido.

Lembrei-me de um vídeo de 2007 chamado "A história das coisas", no qual uma ativista se propõe a explicar como entramos nessa roda-viva do consumo, como é difícil - mas não impossível! - sair dela, e os efeitos que ela causa ao planeta, uma vez que mais e mais coisas são descartadas e, não custa lembrar, temos apenas um planeta.

Lá pelas tantas ela fala do tempo de obsolescência de um produto, que pode se dar pelo tempo de uso dele, embora ele seja "desenvolvido para ir pro lixo", já que as coisas já são pensadas, em sua fabricação, em quanto tempo irão durar, ou pelo que ela chama de "obsolescência percebida", que é quando, numa época em que as pessoas estão, digamos, usando roupas sem estampas, você chegar no trabalho de camisa xadrez. A primeira coisa que perguntam é o quê? Isso mesmo: se você veio, ou vai, a uma festa de São João. Claro que, se a moda de setembro for camisa xadrez e você chegar no seu local de trabalho com uma camisa xadrez ninguém faz este questionamento, nem nenhuma outra gaiatice. 

O que faz um ser humano adulto, ciente de suas capacidades cognitivas, considerar algo que não é velho como tal? Não sei como chegamos a esse ponto, embora tenha alguns indícios. 

Vivemos cada vez mais a época do imediatismo. Tudo tem que ser para ontem. Encontrar alguém que exerça a arte da paciência, hoje em dia, é quase como ganhar na Mega Sena. Alguém tolerante, então, nem se fala. Tudo virou a mais absoluta pressa, que parece estar diretamente associada à nossa capacidade de produção. Quanto mais rápido se produzir, mais volume se obtém - e isso não significa qualidade, não custa lembrar. Basta olhar para essas franquias de fast-food, onde se chega, pede-se a comida apontando o dedo para um número, paga-se por ela e recebe-a no balcão ao lado. E você ainda sai com a sensação ridícula de que está ganhando tempo para fazer outras coisas, quando o mais estranho é que a impressão cada vez mais pungente é a de que quanto mais inventamos coisas para nos poupar tempo, menos tempo temos para fazer as coisas de que realmente gostamos. 

Os alunos têm pressa de sair do livro 1 e ir para o livro 2, não importa se realmente aprenderam o que está no primeiro livro, o que importa é ter a ideia, ainda que falsa, de "evolução". Não é à toa que essas pessoas se submetem a provas de proficiência e não passam.

Fazer lista virou moda. Quantos filmes se viu num ano, quantos livros se leu, para não falar de listas com sabor mais pueril, como com quantos se ficou no período de 365 dias, ou quantos quilos se perdeu a cada nova dieta. Parece que temos uma auto-imposta urgência de viver, uma sensação de que, se não corrermos, estamos falhando com os outros e com nós mesmos, ou fadados a isso. A ideia tacanha do carpe diem, que aplaude a intensidade em detrimento do prazer lento, degustado, observado, sentido. Qual o sentido disso, mesmo?

Quantas amizades verdadeiras temos? Não falo de "amigos" de redes sociais, nem de amigos que só lembram que você existe quando a saída atende pela ideia de farra. Refiro-me àquelas pessoas que sabem das suas mazelas, que têm seus segredos compartilhados, que lidam com suas idiossincrasias, para os quais se pode ligar precisando a qualquer hora e não serão repudiados. Aposto com você: são bem poucos, a ponto de se contar nos dedos de uma só mão. Ser amigo e ter amigo dá trabalho. É tarefa pra uma vida inteira. São essas pessoas que veem você entrar e sair de relacionamentos (e que muitas vezes se tornam o nosso mais longo relacionamento ao longo da vida), que colocam a mão ou a cabeça sobre o seu ombro durante os momentos complicados da sua vida, e em tempos de relacionamentos descartáveis, em que a menor dúvida, chateação ou contrariedade fazem você querer mudar de amigo (ou de namorado), amizade é, por assim dizer, artigo de luxo. 

Não é tarefa simples nem fácil, mas a verdade é que cada vez mais se faz necessário fazermos este olhar para dentro. Não quero dizer aqui algo em torno de uma busca espiritual, mas um olhar para o nosso próprio eu, aquilo com o que nos identificamos e nos faz ser quem somos. Observar a vida com mais vagar é uma constante busca numa época em que é tudo tão veloz (e fugaz) e que, quando menos esperamos, se foi. 

Vivemos a época do efêmero, em que ter é a palavra de ordem. Ter, e jogar fora quando ficar velho, evidentemente. É difícil olhar para as coisas e pessoas ao nosso redor e não julgá-las pela cronologia observada em seus detalhes. Mas é hora de não compactuarmos mais com esse tipo de mentalidade. Tudo tem o direito de envelhecer, seguir seu ciclo. Sejamos nós ou os móveis da casa - mas tudo no seu devido tempo. Para isso, é preciso cultivar aquela arte antes mencionada, a do olhar para dentro, que claro, é o desafio de uma vida inteira para mim, para você, para qualquer ser vivente.

Enquanto viver bem for uma meta, como é uma meta para um corredor chegar em primeiro ou um boxeador arrasar com seu oponente, e não um motivo para vivermos, vamos sempre ser egoístas, embrutecidos e termos uma abordagem limitada diante da vida. No dia em que finalmente despertarmos para a importância do coletivo, de saborearmos as coisas simples (o prazer de ler um bom livro sem pressa, ouvirmos uma boa música, bebermos um bom vinho, ou mesmo um vinho não tão bom, mas em boa companhia, por exemplo) e cultivarmos o saber, ao invés de compreendê-lo como uma posse, aí sim, olharemos para o mundo com a ternura e delicadeza que ele tanto tem precisado.
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