Amsterdam, de Ian McEwan





O que torna um grande autor grandioso? 

Amsterdam, publicado em 1998, venceu um dos prêmios literários britânicos mais prestigiados, o Booker Prize. Seu antecesso, Amor sem Fim, sequer entrou na lista.

É desses altos e baixos que qualquer carreira é feita, é desse permeado de adversidades e benesses, por certo, que os caminhos são trilhados e testados. Em Amsterdam, Ian McEwan promove um embate entre duas figuras excêntricas, que claramente caminham rumo à tragédia - mas o leitor só se dará conta de até que ponto, nas últimas páginas do livro.

Entretanto, que ninguém se iluda: isso aqui não é um thriller desses autores suecos da moda. As tribulações porque passam suas duas figuras centrais se dão, amiúde, de maneira fria e irônica. 

O que vemos logo que a trama começa é uma cena que se desenrola no crematório, onde uma certa Molly Lane está, justamente para ser cremada. Os protagonistas, Clive Linley, e Vernon Halliday, estão prestando homenagem a ela. Ambos foram seus amantes no passado, e evitam falar com o marido da falecida, por quem não nutrem nenhum tipo de (bom) sentimento. Rancor, raiva, e outras coisas do gênero, certamente.

Os presentes ao evento são o tipo de gente que cresceu numa Inglaterra de pleno emprego, crescimento das universidades e ideais atingíveis. Gente que já tinha a vida ganha quando Margaret Thatcher chegou ao poder.

Clive e Vernon dividem o foco das atenções, o que é algo bastante apropriado num romance em que os capítulos são narrados em terceira pessoa, mas, intercaladamente, um é sob o ponto de vista de Clive, outro, o de Vernon. 

Clive Linley é um compositor, herdeiro de Ralph Vaughan Williams, e autor de um livro que se propõe a ser uma reação à "velha guarda" do modernismo e de sua tentativa de retirar da música a melodia e a harmonia. Ele foi encarregado de escrever uma sinfonia, e um comitê que prepara as celebrações para o novo milênio espera retirar dela uma melodia que possa fazer sucesso nas festas de celebração. O problema é que ele já ultrapassou dois prazos, a coisa não está vindo com tanta facilidade, mas ele está quase lá. E louco pra produzir a "melodia irresistível" que ele vai produzir como se fosse uma elegia para o século que está ficando para trás. Fica relativamente claro, entretanto, que o homem tem talento. McEwan descreve as dificuldades de se criar música com um know-how extraordinário, e há um evento no livro, quando Clive faz uma caminhada por um bosque, que torna isso ainda mais... intrigante.

Vernon Halliday, por outro lado, é o editor de jornal que está indo à bancarrota. Ele tem lutado pra fazer o volume de circulação do jornal aumentar e, assim, garantir que ele vai ter emprego no mês seguinte. Mas o negócio não tá fácil. 

Sua oportunidade de fazer ambas as coisas vem quando o marido da finada Molly oferece a ele fotos altamente comprometedoras de Julian Garmony, um secretário de um partido de extrema direita, que gosta de, por assim dizer, vestir-se com roupas apropriadas para a esposa dele. As fotos foram tiradas por ninguém menos que Molly, que também tinha tido o tal Julian como amante. E claro, este Julian é um desafeto de todos os envolvidos. Só que, quando Clive conta esta historinha para Vernon, ele fica p. da vida, dizendo que isso é um absurdo, que isso é um insulto à memória da Molly etc etc, e ambos ficam meio magoados um com o outro.

Tudo isso parece bem maquinado pelo autor, certo? Certíssimo. Amsterdam é um livro bem pensado do começo ao fim, e o prazer do autor em trazer para o leitor os eventos fora da ordem, pra que nós possamos montar o quebra-cabeça, é evidente em cada página.

Quando perguntaram a Vladimir Nabokov se, por vezes, seus personagens não fugiam ao seu controle, ele respondeu que eles eram escravos mantidos de forma severa sob suas rédeas a todo momento. McEwan segue essa prescrição à risca. 

Finalmente, os eventos começam a detonar com a vida de ambos. A publicação das fotos pelo jornal de Vernon vira um circo, e Clive oscila entre delírios de grandeza e momentos de extrema insegurança, levando-o a um espiral que beira a loucura. 

A partir daí, a promessa de tragédia feita ao leitor lá no começo da trama começa a se cumprir. E embora o autor utilize-se de meios que parecem arrumadinhos demais para parecer verdadeiros, o desfecho do livro acaba por torná-lo, se não uma obra-prima, certamente algo que se aproxime de uma boa e apreciável obra de arte.
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