Toda forma de amor ou a arte de resetar a si mesmo a cada novo dia





Vi recentemente o filme que deu o Oscar este ano a Christopher Plummer, e tanto porque queria atualizar o blog como porque fiquei com uns pensamentos inquietantes, e é sempre bom expurgar essas coisas de dentro da gente; (é uma auto-análise ótima e ainda joga-se pra fora uns demônios que nos habitam), além de ter um outro fator muito importante e que não se deve perder de vista: é de graça.

Resumindo em duas palavras o roteiro, o filme conta a história de um senhor de setenta e tantos anos que, após a morte da mulher, resolve abrir pra família que é gay. Sempre foi. Nunca negou pra si mesmo. Só que ele encontrou essa mulher a uma certa altura da vida, apaixonou-se por ela foi lá e tchum, casou-se. Por significativos quarenta e tantos anos.

Tiveram um único filho que, diferente dos pais, não consegue encontrar seu lugar no mundo. É um publicitário de sucesso e um artista nas horas vagas, mas troca de mulher com a mesma facilidade que você troca o peso da perna quando a outra está cansada. 

O filme é bom, é interessante. Só que é vendido no Brasil de forma despretensiosa.

E não é.

Tem lá na capa: "comédia". Comédia ONDE, Senhor? Logo, eu deveria ter desconfiado. O título em Inglês, "Beginners", tem nada que ver com a porcaria de título em Português, "Toda forma de amor". Porque o filme não trata essencialmente de toda forma de amor. Muito pelo contrário: são retratadas apenas algumas, e que no mundo de hoje já são bem convencionais. Trata justamente do fato de que na vida estamos todos começando algo, o tempo todo, porque o que realmente acontece na estrada da vida é a eterna busca. Nunca deixamos de buscar. É a busca que nos move - mesmo quando acreditamos ter encontrado, porque daí passamos a ter outras buscas, desejos, anseios, sonhos. E beginners quer dizer justamente isso: iniciantes. Que é o que todos somos, não importa a idade que tenhamos e os caminhos que já tenhamos percorrido.

Seremos sempre iniciantes para a vida. Prova disso é que morremos todos os dias e nascemos no dia seguinte, com um susto: Então, estou vivo, era tudo só um sonho. Ou: Então, continuo vivo pra viver minha rotina maravilhosa/de merda/escrota/perfeitinha/sem mudança à vista. E nem importa se você foi ou não acordado por um despertador. O susto de estar vivo com o nascer de mais um dia é o mesmo. O espanto necessário à vida. Que seria de nós sem esse espanto? Não o espanto do medo, mas o do assombro. Algo como: Como é bom estar vivo pra renascer e, portanto, reiniciar. 

E é bem disso que trata o filme. O filho que busca ser feliz a todo custo, cuida de um cachorro que é feliz gratuitamente, envolve-se com uma mulher que é complicadíssima e que, como cada um de nós, também traz consigo suas mazelas e achaques. E o pai, que encontra um namorado bem mais novo, mas que gosta realmente dele, e vai viver sua sexualidade com a liberdade que só sabe quem não tem mais tanto tempo assim no mundo. E, encerrado nesses cinco personagens, cada um de nós. A vida não é essa coisa estanque com a qual muitas vezes nos deparamos. É fluida e libertária, e libertadora até a liberdade final, quando nos libertamos finalmente do corpo, que é glória e prisão. 

Terminei de ver o filme com um aperto no coração. Se há momentos de comédia? Sem dúvida. Mas o filme é um drama pungente, e um soco nos sentimentos. Atordoa. Ao final do filme, minha vontade era correr e abraçar meu cachorro e meu pai, porque o filme também trata muito dessas duas relações.

Toda Forma de Amor, apesar do título, é um filme pungente, forte, e intrigante, e que deu um prêmio merecido a um ator que já está no outono da vida. E que, embora tenha seus momentos de marasmo (como a vida), vale a pena cada instante (como viver).


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1 Comentario "Toda forma de amor ou a arte de resetar a si mesmo a cada novo dia"