Notícias de um ano bom


Conheceram-se porque haviam ido ao encontro um do outro precisamente com este fim. Apaixonarem-se não era um um fim em si mesmo, mas mostrou ser, para ambos, um recomeço. Começaram os ritos do amor, e foram longos e fartos, assim mesmo quase essenciais, pode-se dizer.

Tempos depois do fim, lembrariam de coisas simples, como o jeito que o outro tinha de abrir o porta-luvas do carro, e de nunca encontrar o que se propunha a buscar, ou de nunca ter aprendido realmente a tirar o CD do aparelho de som do veículo. Das brigas que tiveram, das surpresas, das fotos. Coisas que hoje não queriam nem lembrar, porque tudo passou, era assim que tinha que ficar, e era mesmo.

Não havia dores. Mágoa, talvez, mas a essência da lembrança é a memória, e para essa nenhum dos dois queria voltar o cruel olhar da indefectível saudade. Sempre ela, que chega e nos abraça por trás, sendo logo reconhecida por sua força incontida e desesperada. 

Assim foi que a saudade trouxe a lembrança: do jeito de abraçar, do beijo sem graça, do sexo bom mas quase mecânico no fim de tudo. Nos planos para o futuro, e também nas merdas que aconteceram depois. Porque depois é sempre esse tempo de que nada se sabe, mesmo ele já tendo acontecido. O Enigma. E o que fazer depois do que aconteceu depois? 

O que importa mesmo é que o Amor aconteceu, e evoluiu. Assim como os medos e inseguranças, os erros. Era Amor? Ou amor? Era sem dúvida o medo de amar, isso sim. Quase sempre.

Naquele ano, quiseram acreditar-se felizes. E de tanto querer acreditar, foram. Ao longo do tempo, foram mais alegres que tristes, e isso por si só é um alento, para depois que tudo se esvaiu. 

Interessante como para os dois a vida era tão simples e abraçavam essa simplicidade com ares de ternura. O tempo urge, e ambos sabiam disso. E de tanto urgir, acabou por escapar a ambos. 

Nesse ano, entretanto, passaram por tantos dias de sorriso quanto de chuva e nublado, e sobreviveram. Aqueles que se conheceram sem pensar em apaixonar-se sabem-se melhor sozinhos do que juntos e tristes, ou infelizes.

As vezes se dão conta de que há muito mais vida lá fora, e muito mais dificuldade também. E que ainda vão passar por tantas outras, até encontrarem alguém com quem viver todas. E sobreviver a essas todas, sem medo, e juntos, fortes. 

Às vezes, contudo, parecem crer que todo dia é primeiro de abril, e que deve haver algum dia no calendário para o dia em que não se mente. Deve ser no fevereiro de um ano bissexto, talvez. Ou seria essa data para os amores que morrem, que deveriam ter sido verdade e não foram?

O mistério se faz quando há alguém para contá-lo. Sozinho, ele jamais se realizará. E quando se faz o amar? 
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1 Comentario "Notícias de um ano bom"