Cartas não abertas e a valorização da amizade


Tempus fugit!, não cansa de nos lembrar Rubem Alves em muitas de suas crônicas e textos, lembrando-nos, quase como a cutucar-nos, que o tempo urge, foge, escapa, ultrapassa qualquer barreira. Quase não, a ideia é nos cutucar mesmo, provocar, enfiar o dedo nessa feriada-tabu que é esse assunto tão temido pela maioria das pessoas.

Tenho uma obsessão com essa questão do Tempo como um todo; essa coisa que nos move e nos impele e nos engole. Talvez porque, cedo demais, eu tenha me dado conta da finitude, e de que o tempo, esse contado no relógio, está passando cada vez mais rápido.

Aconteceu assim: final das férias. Eu precisava organizar muitos papéis e arquivos no escritório. Nesse lugar, que originalmente era somente para isso, eu acabei por guardar coisas outras que em nada lembram seu objetivo primeiro, e as coisas foram se acumulando. Até raquete pra matar mosquito tinha por lá. E eu disse chega. Vamos organizar essa bagaça! 

Foi quando eu encontrei cartas lacradas, no meio de material de aulas que já usei e jamais usarei, materiais em desenvolvimento, materiais que nem lembrava mais que tinha e que voltarei a usar urgentemente... Lá estavam elas, fechadas, tais como foram-me enviadas. Data: dezembro de 2007.

Entrei num pequeno momento de depressão. Naquele tempo, estava num corre-corre com atividades acadêmicas, projetos, aulas, relacionamentos... Parei a seleção de material que estava fazendo para lembrar que, quase cinco anos depois, pareço já estar vivendo uma outra vida. Cinco anos mais velhos, já sou eu outra pessoa (?). Lembro-me dos colegas de academia que deixei pra trás, daquele tempo que parece que não volta nunca, nunca mais, porque jamais terei vinte e poucos anos de novo, e há coisas que só se vive ali, naquele momento, só se descobre ali. Passada aquela epoca, puft, já era. 

Foi então que parei pra pensar na valorização da amizade. As pessoas que são minhas amigas de verdade sabem que valorizo a relação, que busco demonstrar o carinho, o amor, o afeto e o cuidado. Sei disso porque tenho amigos de mais de duas décadas, porque existem pessoas que me cobram em suas vidas, porque gostam de sorrir junto. O que é essencial pra vida de qualquer um.

Li e reli as cartas. Tenho contato com a dona daquelas palavras até hoje. É alguém que amo muito, muitíssimo, e que quero levar junto comigo até meu último dia de vida. Como pude, então, agir dessa forma e sequer abrir sua carta no natal de 07?

Foi então que encontrei um cartão dentro de um envelope, daquele mesmo ano. O envelope estava há tanto tempo embaixo de outras coisas que foi difícil tirar o cartão de dentro dele. Estava endurecido. Porém, quando tirei, lembrei-me na hora daquele cartão. Era o cartão por ocasião do meu aniversário, que ocorre no mesmo mês! Quer dizer então que o mesmo poderia ter acontecido com a carta que, endurecida com o passar do tempo, parecia lacrada.

Só que eu tenho o costume de rasgar a lateral dos envelopes com cartas para tirá-las de dentro hoje em dia. E não lembro como fazia há cinco anos, assim como também não lembro do conteúdo das cartas. 

Não, não levarei sentimento de culpa o resto da vida. Eu não. Levarei o aprendizado possível em torno disso. 

Mas o mistério - ah, o mistério! - persiste.
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1 Comentario "Cartas não abertas e a valorização da amizade"

  1. Meu amigo,
    Fiquei curiosa sobre o mistério, mas ainda bem que hoje, com os emails, temos total possibilidade de abrir ou jogar no lixo....rsrsrs...Escrever cartas é bom, dá uma saudade, mas como a internet nos ajudou...
    À amizade, mesmo que virtual!
    Abraços!
    Adriana

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