Discurso de Ano Novo




(Discurso escrito para a confraternização da empresa onde trabalho, inspirado nas obras de Rubem Alves e Mario Sergio Cortella - dedico o texto a eles)

Boa noite a todos.
        Não vim aqui pra fazer discurso de natal. Vim aqui para falar de prazer. E não quero ouvir nenhum “that’s” durante a minha fala, entendidos? Estou aqui para que possamos, nesse momento único, no qual temos a oportunidade de compartilhar não apenas o mesmo espaço, mas a mesma comida, a mesma bebida e até as mesmas brincadeiras, fazermos também uma reflexão sobre o crepúsculo de mais um ciclo, com o fim de 2011 e o alvorecer de um outro, com o ano que se anuncia.
         Vim aqui porque sou educador no sentido mais amplo da palavra: aquele que sabe que ensinar é muito mais do que ganhar o dinheiro que vai me sustentar durante os meses do ano, que entende que ensinar é uma troca de aprendizado entre aluno e professor, que luta por melhorias e dias melhores, que reforça ideias e ideais e não se intimida diante do novo.
         Convido vocês então a fazer uma reflexão. Sabemos que o tempo foge. Ainda ontem estávamos abalados pelo onze de setembro, e no entanto vejam só, já se passaram dez anos. Toda uma década, vocês têm noção do que seja isso? Compreendi há algum tempo que não terei tempo pra tudo: não ouvirei todas as músicas que gostaria, nem lerei todos os livros que gostaria, nem verei todos os filmes, nem conhecerei todos os lugares... Partes do corpo que eu nem lembrava que tinha hoje doem e me fazem lembrar a todo instante que estão ali. É necessário aprender a arte do “abrir mão” em prol daquilo que é essencial. E o que é essencial pra você? Dinheiro, sexo, amor, amizade, companheirismo, família, gordas contas bancárias, carros imponentes? Uma vida mais simples, com menos ostentação? Repito minha pergunta: o que é essencial pra você? E junto a ela faço outra: estamos fazendo o possível pra chegar ao que realmente nos é essencial, àquilo que dizemos que realmente queremos para nós?
         A vida é assim: a gente escolhe caminhos na esperança de que eles vão nos levar a lugares de alegria. Tolos, pensamos que a alegria está no final do caminho. Um caminho pelo qual muitas vezes caminhamos distraídos, ou sem dar a ele a devida atenção ou valor, já que caminho é só caminho, e não ponto de chegada, e esquecemos que, como disse o filósofo chinês Lao-Tseu, “o bom viajante não tem planos fixos e não tenciona chegar”. Mais do que discurso de um louco, isso demonstra justamente o que é a vida: um caminho que leva a outro, sem ponto certo de chegada. E muitas vezes estamos tão preocupados em chegar nesse lugar de felicidade, que esquecemos que a alegria está é durante o caminho, nas margens.
         O mais importante, ao se perceber que um ano novo está bem aí, diante de nós, é nos permitirmos a oportunidade de absorvermos, não apenas simbolicamente, que a nós foi dada a oportunidade de recomeçar. Recomeçar em todos os sentidos da vida, passar por metamorfoses necessárias. E quem não precisa mudar sempre, renovar-se não apenas na aparência, mas na essência? Vejam só: as lagartas, cuja vida se resume em devorar as folhas das plantas pelas quais se arrasta, após terem esgotado essa fase rastejante e gastronômica, transformam-se em seres coloridos, esvoaçantes, borboletas. Assim pensou Heráclito, filósofo grego que falou da impossibilidade de entrarmos duas vezes no mesmo rio, porque a água, a luz solar, a areia sob seus pés, nem mesmo você é a mesma pessoa que entrou no rio da primeira vez.
         Acredito piamente nas metamorfoses e ressurreições. É por isso que ensino. Porque acredito que somos seres imperfeitos que vamos nos lapidando ao longo da vida. Somos seres que não nascem prontos. Eu não sou um sapato, nem uma sandália da Monsenhor Tabosa, que nasce pronto e vai se gastando. Eu nasço não-pronto e vou me fazendo. Por que não aproveitarmos esse momento e começarmos 2012 com essa determinação? Veja bem, eu não digo meta. Essa palavra parece já vir carregada de sofrimento, de esforço doloroso, de trabalho de gladiador. Eu falo em determinação porque basta isso para nos transformarmos em seres humanos melhores: querermos. Porque o passo seguinte, que é fazer por onde, vem com a sabedoria que somente tem aqueles que sabem onde querem chegar e estão verdadeiramente dispostos a isso. Vale lembrar que os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver. Sábias são as pessoas que sabem viver. Tolo é aquele que, tendo defendido tese sobre barcos e mapas, não sonha com horizontes, não planeja viagens, não imagina portos. Anda sempre em terra firme por medo de naufrágio. Sabedoria não é uma graça. Por outro lado, também não pode ser ensinada. Sabedoria é a voz do corpo. Dorme, inconsciente, como o personagem do desenho infantil e, assim como ela, pode ser despertada com o beijo certo daquele que se predispuser a isso.
         Há coisas que só fazemos bem se não pensarmos no que estamos fazendo: andar, levar comida à boca, subir escada, andar de bicicleta, fazer amor. E o que dizer de todas as outras que exigem ponderação, reflexão, vontade?
         É certo que na vida queremos ter prazer. Não apenas o prazer carnal, mas toda forma de prazer, que muitas vezes, dada a vida apressada que levamos, parece ter sido esquecida. E acabamos por esquecer de nós mesmos. Esquecemos também que, para além de todas as misérias, o ser humano tem um destino de felicidade. Devemos reencontrar o Paraíso. Advém desse ato de fé minha filosofia de educação: o objetivo da educação é aumentar as possibilidades de prazer e alegria.
         E prazer e alegria são coisas distintas: prazer só acontece se o corpo tiver posse daquilo que lhe dá prazer: o sorvete ansiado num dia quente, o suco a ser bebido, o corpo desejado. O prazer se farta logo. Quantos sorvetes sou capaz de tomar até que de objeto de prazer ele se torne causa de sofrimento? Quantos copos de suco até o corpo dizer “Não agüento mais!”, quantos orgasmos até o corpo cansar e desejar um merecido repouso? O prazer tem vida curta. O evangelho do prazer reza: “Bem-aventurados os que têm fome, porque serão saciados”.
         A alegria, por outro lado, não precisa da posse do objeto desejado para existir. Lembro do rosto de uma amiga que não está mais aqui, mas essa simples memória me traz alegria. Sentimos alegria vendo um filme bom, lendo um bom livro ou observando uma criança simplesmente existir, uma paisagem bonita numa viagem, um sorriso que nos aconchega e nos faz sentir que somos bem-vindos. A alegria nunca se farta. Alegria pede mais alegria. Da alegria nunca se diz, “Chega! Cansei de ser alegre!”, “Estou satisfeito!”. O evangelho da alegria reza: “Bem-aventurados os que têm fome, porque terão mais fome!”.
         A vida resulta de uma aposta e está construída sobre incertezas. Se você quer fazer algo para Deus, uma promessa divina para o ano que se inicia, e todos os outros, não ofereça a Deus caminhadas até Canindé nem subir escadas de joelho. Deus não sorri com sofrimento. Ofereça a Deus um poema, uma música que você gosta, uma oração no silêncio do seu quarto que muitas vezes não encontramos nem dentro de nós mesmos.
         Agora, se você quer fazer algo por si mesmo, comece o ano determinado a viver com sabedoria, buscando o prazer e a alegria, que podem sim caminhar juntos, compreendendo que devemos buscar aquilo que nos é essencial. Se você ainda não sabe o que é o seu essencial, investigue, cerque-se de pessoas que te ajudem nesse processo. Mas antes de tudo isso, queira, queira verdadeiramente ser uma pessoa melhor. Viver não é só uma caminhada de altos e baixos. Viver é saber que, seja lá o que for aquilo em que você acredite, existe um propósito. Não fomos simplesmente jogados aqui. Eu, pelo menos, não acredito, não sinto isso. Mas não podemos esquecer que temos a obrigação de deixarmos o mundo um pouco melhor do que quando chegamos nele. É uma tarefa árdua? Sem dúvida. Mas é igualmente possível.
           Recomece. Revitalize-se. Renasça.
           Um extraordinário 2012 a todos.
         








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2 Comentarios "Discurso de Ano Novo"

  1. Se eu estivesse lá, teria chorado bicas!!! Que texto lindo!!!

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  2. Meu amigo,
    Adorei seu discurso!!!! Que ano lindo teremos!
    Que sempre possamos renascer e fortalecer os vínculos que nos unem a pessoas como você!!!
    Um grande abraço!
    Sua amiga de sempre,
    Adriana

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