Medianeras, de Gustavo Taretto



Com o subtítulo de "Buenos Aires na era do amor virtual", Medianeras, filme do argentino Gustavo Taretto, não poderia ser mais universal.

O filme conta a história de Martin, um designer de homepages e Mariana, vitrinista de lojas. Ambos vivem suas vidas solitárias e enclausuradas, cada qual ocupando um quitinete de pouco mais de quarenta metros quadrados e levando uma vida sem brilho e sem luz.

Medianeras, aliás, é o nome que se dá à lateral do prédio que não tem janelas e não serve pra nada (conforme figura acima).

Assim, o filme levanta o questionamento bastante contemporâneo de estarmos vivendo, cada dia mais, vidas virtuais. Como é dito no começo do filme, temos canais de TV a cabo demais, internet, podemos estudar, trabalhar e até fazer sexo pelo computador, de modo que, somando-se à insegurança, medo da violência gratuita, medo de lidar com o outro e várias outros agravantes, vamos criando fobias sociais que levam à obesidade, hipocondria, suicídio, falta de desejo, falta de afeto, estresse, sedentarismo, dentre tantas outras mazelas. Nesse contexto, a arquitetura e a fotografia de Buenos Aires acaba sendo um terceiro personagem, metáfora para a vida claustrofóbica construída dentro de urbes cada vez mais repletas de prédios e prédios que parecem nos tirar o ar.

Uma listagem de tanta coisa ruim pode fazer parecer que o filme é pesado. Mas não é, pelo contrário. É uma comédia saborosa, divertida e sim, muito gostosa de ser vista. O filme tem grandes momentos, e um roteiro que privilegia a inteligência do leitor. 

Questionando a solidão de cada um nos grandes contextos urbanos, a película nos faz sentir que estamos dentro de um livro de "Onde está Wally?", em que a loucura do dia a dia e o nervosismo nos tornam cego para encontrar aquilo que realmente buscamos, ainda que nem sempre saibamos o que é realmente que estamos a buscar. Vivemos num mundo que nos proporciona cada vez mais formas de nos comunicar, e no entanto, nunca fomos tão solitários.

Aqui mesmo, no Brasil, segundo o censo de 2010, mais e mais apartamentos estão sendo ocupados por somente um morador. O que torna as pessoas, sedentas por amor, sucesso profissional e pessoal, a estar cada vez mais fechadas dentro de si mesmas, quando, em teoria, tantos meios há de se fazer ouvir, de se chegar ao Outro? 

É por essas e outras que o filme retrata qualquer cidade do mundo contemporâneo, e é também por questionamentos desse tipo que deve-se assistir Medianeras: porque se trata de um retrato do nosso tempo, onde nós mesmos nos enxergamos.


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2 Comentarios "Medianeras, de Gustavo Taretto"

  1. Poxa, cada vez mais seus textos estão filosóficos.
    Sim, as pessoas evitam o contato, isso é ruim mesmo, gera um monte de fobia, mas a internet, se usada visando um contato futuro e chegando a ele, pode ser útil. O que eu acho muito mais alienante é a TV, por que não gera nada além de si mesma, sem contar a qualidade dos programas, que nem sempre é boa aff.
    Vou ver o filme, mas agora estou dominada pelos zumbis de Walking Dead. Ao menos,aqui e ali, salvamos alguma coisa bacana na TV (como algumas séries), que nos levam ao grande questionamento desses zumbis de WD: que epidemia é essa que nos deixa mortos, estando vivos? Pergunta muito atual!
    Abçs,
    Adriana

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  2. Muito pertinente, o seu comentário, sem dúvida. Um dos motivos, creio, é a nossa incomunicabilidade, apesar de estarmos cercados de formas de nos comunicar. Criamos uma Babel moderna, porque temos a falsa impressão de que, tendo tantos meios de nos comunicar, estamos a fazê-lo, quando claramente não estamos. Ainda penso, às vezes, com tanta incongruência nesse sentido, que é preciso recomeçar, tentar de novo. Como?, é a grande pergunta.

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