Desvarios no Brooklyn, de Paul Auster


Beirando os 60 anos e já se considerando um velho, Nathan Glass, um homem aposentado e divorciado, sente que a vida já não tem muito mais a lhe oferecer, e a crença em si mesmo se foi de vez com a descoberta recente de um câncer. Autoconhecimento, uma característica nada incomum aos personagens existencias de Paul Auster, também é perceptível em Nathan. Este, aliás, é um narrador questionável, outra característica inerente aos personagens de Auster, assim como a brincadeira em torno da metaficção - o livro que lemos é parcialmente um livro que o próprio Nathan está escrevendo.

A metafísica pós-moderna de Auster é construída em torno de alguns de seus temas recorrentes (como por exemplo o poder da coincidência e sua relação com o sentido do todo, a volatilidade da identidade e do caráter, filhos perdidos e a procura pelo pais). O que para o leitor costumaz pode parecer mais do mesmo, também torna possível identificar a reconhecer a sempre excelência da escrita do autor.

A prosa de Paul Auster é afiada, simples e arrebatadora. Seus personagens e suas personalidades são bem construídas e multifacetadas. Rapidamente, somos levados a gostar de Nathan. Ele é ranzinza, urbano e divertido, mas igualmente inseguro, generoso e desconfiado. Ele saiu de uma região mais periférica para o Brooklyn e afirma não querer durar mais que um ano, mas os encantos da metrópole em pouco tempo o tornam um homem reenergizado. Nathan escolheu o Brooklyn por ela poder torná-lo um anônimo. Ele começa a gostar de sua vitalidade e infinitas possibilidades de conhecer pessoas e conectar-se a elas de forma verdadeira, e por acaso. A verdade é que ele não queria morrer, ele estava era entediado da vida.

Testeminhar essa transformação é delicioso, enquanto leitores, assim como sua paixonite por uma garçonete de um lugar de gosto duvidoso onde ele sempre come alguma coisa e sua reconexão com um sobrinho, Tom, que se torna seu melhor amigo. Inteligente mas desiludido, Tom deixou a universidade para ser motorista de táxi e trabalhar numa livraria, quando este primeiro emprego lhe aborrece. Ele e Nathan têm longas conversas sobre a natureza das coisas, e seu entusiasmo imbuído de desespero pela vida e o viver. 

A ação gera a crença. Uma sobrinha de Tom, de nove anos, aparece sozinha do nada, recusando-se a dizer de onde vem e onde está sua mãe, Aurora, que é irmã de Tom; Tom e Nathan levam-na numa viagem de carro e por sorte escapam de um acidente. Em outro momento, a livraria onde Tom trabalha acaba indo parar nas suas mãos, Nathan resgata Aurora de um marido lunático e assim segue a saga de uma família quase aos moldes de um road movie, a esta altura. 

É aí onde (também) entra o Paul Auster que alguns chamam de "engajado". É quando ele faz referência à palhaçada que foram as eleições nos Estados Unidos em 2000 (o romance é de 2005), ao juntar o senso de alienação inerente àquele povo a uma falta de uma mais ampla representação sociopolítica na América contemporânea. E por Auster ser um escritor talentoso, Desvarios no Brooklyn é sempre um prazer de se ler, embora seja carregado em digressões nos diálogos. 

À medida em que a história ganhar ritmo, contudo, aqui, acolá, tem-se a impressão de que o fio que conduz tantas tramas começa a se desfazer. Cabe ao leitor atribuir plausibilidade à prosa de Auster - o que não é necessariamente um grande esforço. Afinal, a vida também é assim, repleta de incongruências e acasos. 

E é com um Nathan em bom espírito, contemplando um novo trabalho escrevendo biografias, que o livro termina. Mas não tão rápido: como é natural ao destino, sempre se intrometendo na vida, Nathan é pego num dia fatídico de um ano que jamais será esquecido, com muita fumaça e prédios que tombam de maneira a parecer que foi bomba, apesar de dizerem que foram aviões...
COMPARTILHAR:

+1

0 Comentario "Desvarios no Brooklyn, de Paul Auster"

Postar um comentário