Um para cada mês: a retrospectiva literária 2013 (Alguns livros que você poderá gostar de ler em 2014)


Talvez porque eu não seja lá muito adepto de listas, ano passado não fiz uma retrospectiva literária - e olha que foi um ano no qual li muito mais coisa interessante do que nesse que passou. 

A verdade é que eu mesmo senti saudade do formato. É uma boa oportunidade para que eu possa pensar sobre o que ando lendo, e como tais obras me afetam, passados quase trinta anos desde que aprendi a ler.


Assim, a lista que se segue tem, ao lado das informações básicas do livro, as minhas impressões ao lê-lo, sem ordem de preferência. Ei-las:  


01) O ano do pensamento mágico, de Joan Didion




Comecei a ler este livro por causa de uma crônica da sempre genial Vanessa Barbara, sobre pessoas que escreviam longos relatos sobre a perda de companheiros de uma vida. Como sou leitor da Vanessa e suas dicas geralmente vão ao encontro das coisas que eu também gosto de ler, não hesitei e saí procurando alguns livros mencionados no texto dela. Este foi o primeiro. É um livro lindo, delicado e ao mesmo tempo bastante forte, sobre a vida de uma escritora que, de repente, ao voltar de uma visita que fizera à filha hospitalizada, perde o marido enquanto se preparavam para jantar, e o que ocorre a partir daí. Li o livro em dois dias, com o coração na mão. Não se trata de uma narrativa pesarosa, dessas que nos fazem querer sair pra algum lugar fumar um cigarro e chorar até a desidratação. Ao contrário: é um livro que mostra que a vida, que jamais será a mesma e será sempre um pouco pior, não chegou ao fim porque ainda se tem muito a viver. Uma das melhores leituras do ano.


02) A borra do café, de Mario Benedetti




Leio Benedetti como quem visita um velho amigo para uma tarde na varanda. É nesse tom entre nostálgico e memorialístico que se encontra o livro acima. Aqui, somos presenteados com a história de Claudio e seus anos de infância, suas descobertas, seus sonhos, medos, paixões, toda a sorte de coisas que faz de nós quem somos. Mario Benedetti, que também foi poeta, escreve de uma maneira cativante, como se conduzisse o leitor pela mão, com a gentileza de quem sabe usar a delicadeza para o benemérito de todos. Ler a história de Claudio é também ler a história do próprio autor, e a de cada um de nós, posto que somos transportados para a criança que um dia fomos. É um romance quase onírico, e arrebatador.


03) O professor do desejo, de Philip Roth



Ler Philip Roth é sempre uma experiência que tem muito de prazerosa e um pouco de masoquista. A primeira porque, pra quem gosta de ler, impressiona a forma como este homem escreve. O poder da sua narrativa, das suas palavras, cada qual cuidadosamente colocada dentro das frases, formando parágrafos e mais parágrafos de uma narrativa absurdamente genial, torna o leitor profundamente envolvido com as questões que evoca. A segunda é motivada pelo fato de que Roth nos causa dor. Lê-lo é sentir na carne e na alma o peso de sermos quem e o que somos. Neste romance, nos deparamos com um personagem que narra sua vida desde a infância, quando descobriu pela primeira vez o que o desejo significa, até a maturidade, quando este mesmo desejo atinge outros tons e significados. Atendo-se a uma vida um tanto hedonista, o protagonista é capaz de olhar para trás e ver o que suas escolhas - tão nossas - foram capaz de causá-lo. Impossível sair intocado deste romance brilhante.


04) La ridícula idea de no volver a verte, de Rosa Montero



Fazia alguns anos que eu não lia nada da espanhola Rosa Montero. Não por falta de oportunidade - tenho vários livros dela aqui por ler - , eu apenas achava que, depois de ter lido um que não me calou tão fundo como obras anteriores, se fazia necessário esperar um pouco mais.  Dizendo assim parece que não gosto tanto de seus livros, e isso não poderia estar mais distante da realidade. Os livros da Rosa são sempre obras delicadas, tecidas por quem tem não apenas o domínio da escrita, mas também a arte de fazê-lo bem feito. La ridícula idea de no volver a verte, que infelizmente ainda não tem tradução para o Português, é dessas obras que fazem a vida valer a pena. Inclassificável por natureza (não se pode dizer se se trata de romance, biografia, ensaio ou autobiografia, sendo na verdade um misto de tudo isso), o livro é um belo tratado sobre a perda. Um tema espinhoso, quando tratado com delicadeza, resulta em nada menos do que uma obra de arte. Quando terminei este livro, passei por um longo período de luto, em que nada que eu lesse me chamava a atenção. Abandonei diversos livros, até que, finalmente, outro veio a me cativar. Este livro tem esse poder. Literatura não apenas de altíssimo nível, mas uma obra igualmente inesquecível. O melhor livro de 2013, sem dúvida!


05) Divórcio, de Ricardo Lísias



Comecei a ler Divórcio tentando decifrar sua bela e enigmática capa. E claro, o título, que, junto a imagem, tem o poder de traduzir diversas sensações na captura de um possível leitor. Assim que pude, agarrei o livro com vontade, e o li em poucos dias. A obra é densa, tensa, e de uma força capaz de levar-nos até seu final, sem jamais perder o fôlego. Antes desse, havia lido um outro romance do autor, do qual também gostei muito. Ricardo Lísias tem se mostrado uma voz marcante na jovem literatura brasileira, desses autores impossíveis de ignorar. A trama, que traduz tanto o desejo de recuperação quanto um senso de vingança, é deliciosamente posta ao leitor de maneira quase onírica, brincando com a nossa capacidade de estarmos diante de um delírio, ou da mais cruel realidade. Uma das melhores leituras de 2013!


06) O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe



Valter Hugo Mãe tem uma sensibilidade arrebatadora. Ler os livros deste angolano (mas criado em Portugal desde a infância) tem um sabor de poesia indescritível. Sabe essas leituras em que você pensa: "Mas esse escritor não pode ser normal!"? Pois Valter Hugo Mãe é desses. Não é "normal" no sentido de que sua escrita é rara, sua narrativa é terna, e ao mesmo tempo pungente. Li O filho de mil homens sem fazer grandes expectativas, já que tenho uma série de amigos que o leram e colocam-no na mais alta conta. Tentei não me deixar contagiar por esse sentimento e acabar me decepcionando. O livro conta a história de Crisóstomo, homem que chega aos 40 anos sem nunca ter tido um filho. A partir dessa simples questão, nos deparamos com dilemas absurdamente humanos, ao mesmo tempo em que o autor nos chacoalha com toques de realismo fantástico, concatenando o real com uma realidade absurda, de que também é feita a vida. Leitura inesquecível e obrigatória. 


07) Noites de alface, de Vanessa Barbara



Primeiro romance de Vanessa Barbara em parceira "dela com ela mesma", como ela disse numa entrevista, Noites de alface é uma história a um só tempo especiosa e divertida. De maneira eloquente, Vanessa nos apresenta diversos tipos humanos, cada qual mais improvável mas, ao mesmo tempo, absolutamente reais. O livro trata, inicialmente, da história de um homem que perde sua esposa. Como ele se inteirava do que ocorria no mundo e na sua vizinhança através dela, seu mundo agora é uma clausura. Aos poucos, seus vizinhos vão se imiscuindo em sua vida, até que logo todos estão envolvidos uns com os outros de maneira irrevogável, até que um certo mistério acontece, e a trama vai se tornando mais, digamos, espessa. Li este livro um dia antes de sair de um hotel e terminei-o no avião. Adorei a companhia, que me levou para dentro de um universo sem igual, construído por quem tem o dom de escrever bem. 


08) Sangue quente, de Claudia Tajes



Sempre que alguém quiser saber a quantas andam as agruras do mundo masculino e feminino, as eternas questões das relações e da dimensão humana, e como se dão as muitas estratégias para fazer com que ambos os sexos se compreendam, ou não, deve-se ler Claudia Tajes. Seus livros são pequenos tratados sobre as questões aparentemente comezinhas da humanidade, mas que - sabemos - são na verdade as grandes questões. Afinal, a maioria das pessoas prefere saber se aquele seu possível affair vai ligar de volta ao possível teste nuclear que a Coréia do Norte vai fazer semana que vem. E essas questões, tratadas com humor e muita verdade, fazem de Claudia Tajes uma autora pra não se deixar de ler e acompanhar. Em seu primeiro livro de contos, o que o leitor tem nas mãos são justamente pequenas pérolas evocando essas questões todas fazendo-nos não apenas rir, mas também refletirmos sobre os sentimentos mais tresloucados que habita em cada um de nós.


09) Dentro de ti ver o mar, de Inês Pedrosa



Dizer que os autores lusófonos da contemporaneidade têm muito a ensinar aos autores brasileiros pode parecer ligeiramente agressivo, mas essa é a impressão que tenho ao ler nossos compatriotas. Como muitos, descobri Inês ao ler Fazes-me falta, e fui arrebatado de cara. Também vale dizer que gostei de todos os romances que li posteriormente, mas nenhum tanto quanto o primeiro deles. Isso, até ler Dentro de ti ver o mar. Li entrevistas da autora em que se via seu ar de ressentimento, embora fazendo graça, por sempre ser lembrada pelo romance de 2002. Dizia ela que gostaria de acreditar que o romance mais recente deveria ser sempre superior ao antecessor (algo com o que não concordo, dela ou de qualquer outro autor). Pois olha, Inês, de verdade: 10 anos, 1 livro de contos e três romances depois, você conseguiu. O romance conta a história de três mulheres em busca de suas identidades. Rosa, cantora famosa que vive um romance com um homem casado, que mantém um casamento de aparências e tem medo de viver um amor verdadeiro, sai em busca do pai no Brasil; Farimah, que vai a Portugal para se livrar das amarras da cultura imposta pelo seu país de origem e se casa com um gay para poder ficar no país, até apaixonar-se verdadeiramente e buscar viver esse amor, e Luísa, que engravidou ainda cedo, deu o bebê para adoção para ver-se livre de alguém que pudesse impedi-la de viver sua vida plenamente. Três mulheres intensas, extremamente bem construídas pela narrativa poética e cativante de Inês Pedrosa. Com a capacidade de nos fazer amar e odiar seus personagens em igual medida, a autora torna suas histórias também as nossas. Um livro esplendoroso em sua força e verdade.


10) Vitória Valentina, de Elvira Vigna



Recebi a graphic novel Vitória Valentina com uma alegria no olhar que só em criança lembro de ter sentido. Porque é um romance ilustrado, inédito, de uma autora que eu tanto admiro por seus romances capazes de nos fazer sairmos de nós mesmos. Vitória Valentina surgiu de uma trama que a autora tinha de quando ainda escrevia livros juvenis. Aquela história que nós tão bem conhecemos do tráfico e suas consequências inefáveis. Só que, da forma como é contada pela autora, com suas inúmeras idas e vindas, sub-tramas e construção quase caleidoscópica, o livro se torna um pequeno tratado sociológico, ao mesmo tempo em que leva o leitor a construir sentido através de imagens feitas pela própria autora, imagens que mostram toda a personalidade dos seus personagens e da sua escrita, num livro que dá gosto de ter nas mãos. É o tipo de livro que nos faz querer ler tudo da autora. Uma obra-prima.


11) O corpo, de Hanif Kureishi



Descobri Hanif Kureishi por acaso, num desses presentes que são quase um milagre que a vida traz. Gosto de passear por alguns blogs de literatura e, ao ler os comentários numa determinada postagem, alguém falou nesse autor. Fui pesquisar e acabei adquirindo um livro dele, um pequeno romance. O Corpo é um outro pequeno romance, no Brasil publicado pela Companhia das Letras com o título de O Corpo e outras histórias, já que a edição brasileira tem ainda alguns contos após o romance. Hanif Kureishi, assim como Philip Roth e Paul Auster, são mestres na arte de nos fazer refletir sobre a condição humana. Penso até que suas prosas se aproximam e, em determinados momentos, se interseccionam. Neste romance, Kureishi conta a história de um velho dramaturgo que tem a possibilidade de colocar seu cérebro no corpo de um jovem de 25 anos. Misto de Frankenstein e O retrato de Dorian GrayO Corpo evoca as questões antigas dos limites da vaidade, da ciência, e por quê que querer e poder devem sempre ser vistos com cautela, uma vez que, feitas as escolhas, também temos que lidar com suas consequências. Esse livro é prova segura de que um assunto antigo, até mesmo desgastado, quando manipulado por uma mente hábil, torna-se inesgotável.

12) Grande irmão, de Lionel Shriver



A leitura que pessoalmente foi a mais difícil pra mim em 2013, que terminei com chave de ouro (li ainda dois livros depois deste, mas não bons o suficiente para figurarem entre os 12 melhores do ano). Mais difícil porque o assunto - a luta para se perder peso num mundo que nos impele a ceder cada vez mais às tentações - me toca profundamente. Apesar da capa feia, o conteúdo, que é o que realmente importa, é primoroso. Uma mulher que luta para salvar o irmão da compulsão por comida, arriscando seu próprio casamento, é o mote do livro que se dignifica a nos fazer refletir sobre um dos temas mais atuais no mundo consumista de hoje. Com personagens densos e um vocabulário que foge de chavões, Lionel Shriver conduz uma trama repleta de acontecimentos que nos obrigam a parar para pensarmos sobre como temos tratado a nós mesmos quando o assunto é a alimentação. Um livro forte, poderoso, arrebatador, características não apenas deste, mas dos outros romances de Lionel Shriver.

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2 Comentarios "Um para cada mês: a retrospectiva literária 2013 (Alguns livros que você poderá gostar de ler em 2014)"

  1. Muito boa sua lista, Severo. Qual seu e-mail?

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  2. Como sempre preciosíssimas suas dicas Marco.Muito obrigada! Hélène

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