Voar, voar, subir, subir... [Parte 1]


[Para ler ao som de Byafra e seu O Sonho de Ícaro - aqui. Porque nada como essa música kitsch pra ilustrar os momentos descritos abaixo]





Malas prontas.

Tudo certo para conhecer Curitiba, uma capital que até então era um mistério pra mim. A ideia era aproveitar ao máximo as horas de folga numa cidade razoavelmente cosmopolita e de temperatura amena. Mas essa crônica não é sobre a cidade. É sobre o movimento feito para chegar lá, e para sair de lá. Conquanto não tenha sido vítima do tal "caos aéreo", que, ainda que não esteja resolvido, anda razoavelmente amenizado; vivi situações de voo, numa única viagem, que me foram absolutamente inesperadas. E é de fatos surpreendentes que se faz uma viagem. Mas da próxima vez que quiserem me surpreender no voo, abandonem um livro nas poltronas ao meu lado, larguem algo muito bom pra eu arregimentar pra mim. Surpresas como as mencionadas abaixo, quero passar longe das próximas vezes.


Fortaleza-Rio - duas horas da manhã.


Adentrei na aeronave achando tudo nela muito velho. Digo, o design do avião me parecia... antigo. Quando entrei, a impressão se confirmou quando reparei nas poltronas, no espaço para guardar a bagagem de mão... e piorou quando vi o espaço entre minha poltrona e a da frente. Eu, que não sou alto, me antevi numa lata de apresuntado. Só que até aí, nenhuma novidade. Quem nunca ouviu falar sobre esses pequenos detalhes, seja nos aviões da Gol, da TAM, da Varig, Vasp ou da Transbrasil? (É, reclamação vem de longe). 


Resolvi pegar o livro que estava lendo (Elogio da Madrasta, do Mario Vargas Llosa), acendi a luz e mandei ver. É bom relembrar o horário: duas da manhã. Costumo estar dormindo nesse horário e, sem demora, meu cérebro resolveu me lembrar deste detalhe...


"... solicitamos imediatamente a presença de um médico munido de seu CRM!", ouvi uma voz bradando firmemente em um microfone. O avião, até então, seguia em paz. Tudo escuro, tranquilo: calmaria. Acordei achando que estava sonhando. Quase deixo o livro cair no chão, mas me recompus depressa e o apanhei a caminho do chão. Parece que há mesmo uma emergência a não sei quantas centenas de metros de altura.


Quando olhei para o lado, vi um amigo meu, que tinha ido no mesmo pequeno grupo que eu, em pé no corredor do avião, parado. Ele não se mexia. E a esposa dele estava grávida. Em menos de três segundos, eu já tinha várias hipóteses na minha cabeça: a esposa dele estava precisando de ajuda, e ele, apesar de ser médico, não conseguia fazer nada e precisou pedir auxílio. Ou então ele estava esperando pra ver se outro médico tomaria a frente da situação. Ou quem estava passando mal era ele mesmo. Ou algum dos pilotos (já que eu não ouvia nenhum tipo de comoção, nenhuma balbúrdia, nada. Aquilo só podia estar acontecendo dentro da cabine dos pilotos!). 

Em seguida vi este meu amigo indo, junto com um comissário de bordo, até uma poltrona mais à frente. Passou pela minha cabeça que o avião ia cair. Depois eu disse a mim mesmo, Não, idiota, claro que não. Ninguém passando mal derruba um avião. Aí lembrei a história que um conhecido me contou que alguém num voo em que ele estava certa vez, acabou morrendo. E tiveram que levar o cadáver sentadinho até o fim da viagem, já que ninguém podia mexer. Que situação.

Ocorre que soube, em poucos minutos, que aquela que ouvi já era a terceira chamada de pedido por médico. E que a pessoa que passou mais tinha tido algo como um ataque de epilepsia - que ele nunca tinha tido antes - mas que agora estava aparentemente voltando ao normal e não ia morrer por causa daquilo. Não naquele momento, pelo menos. E muito menos derrubar um avião. 

Chegamos no Galeão, no Rio de Janeiro, exaustos. Obviamente, todos os passageiros acabaram por acordar e ficar acompanhando, atentos, o que se passava. O estado de tensão era enorme, e a impressão, ao desembarcar no Rio, era a de que eu havia sido triturado.

A espera para o próximo voo foi de mais de duas horas. 


Rio de Janeiro-Curitiba - por volta de 9h da manhã


Completamente estropiado, eu e mais os quatro que foram comigo aguardamos o voo seguinte na sala de embarque. Este foi mais tranquilo. Alguma turbulência, e só. O sono continuava a me perseguir. Inesperadamente, neste avião dava até pra esticar melhor as pernas. E quando a cidade apareceu ao meu redor, senti a alegria se avolumando. Eu estava, enfim, no céu.

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