Nós, os eternos insatisfeitos

Meia-Noite em Paris






Fui assistir há alguns dias o novo filme de Woody Allen, Meia-noite em Paris. O filme narra a história de um escritor na casa dos quarenta que só obteve sucesso até hoje como roteirista de filmes hollywoodianos e quer tentar se firmar como um escritor de livros mais, digamos, "literários". Este homem, que gostaria de ter vivido na década de 1920, numa época em que F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway circulavam pelas ruas e cafés de Paris tornando suas carreiras tanto prolíficas como profícuas, se manda com a noiva e sua família para a cidade Luz, em busca dessa conexão com um tempo ao qual não pertence. 



Claro que no meio disso tudo tem mais, muito mais. Os noivos se descobrem insatisfeitos com a vida que levam a dois, pois possuem ritmos, interesses e necessidades muito diferentes; um amigo da noiva que arrota sabedoria sobre arte (e que na verdade quer é agarrar a dita mulher) também aparece para dar o ar da graça e por aí vai. 

Ocorre que o noivo-escritor descobre que, após a meia-noite, Paris se transforma para ele, ao entrar em um carro que o leva justamente para a época dos personagens com os quais ele gostaria de ter convivido. Deslumbrado, ele compartilha suas ideias com os já mencionados personagens daquela época - além de vários outros - e até se apaixona.

O que importa é que, lá pelas tantas, ele reflete se não seria melhor não pegar a condução que o levaria de volta aos tempos de hoje, e, junto com a mulher por quem se apaixonou nos anos 20 - e com quem volta ainda mais no tempo, visitando a Renascença francesa - descobre que ela é outra insatisfeita, pois gostaria de estar vivendo ali, e não nos anos 20, que é a realidade dela. Depois de descobrir que seu tempo é agora e um novo amor, o filme acaba.

Tudo isso pra dizer que Woody Allen nos faz refletir sob aquilo que somos: humanos, portanto, somos nós mesmos, eternos insatisfeitos.

Onde estaríamos nós se, lá na época das cavernas, alguém não tivesse sentido a necessidade de levar algo de um ponto a outro mais rapidamente e inventado a roda? Se, ao quererem experimentar um sabor diferente da mesma comida, não tivessem tido interesse em colocar o peixe naquele negócio que ficava flamejando numa madeira depois que um raio caía e, assim, começassem a manipular o fogo e inventar novos sabores? 

Pois bem: insatisfeitos, é o que somos. Já pararam pra perceber que a maioria das pessoas - na verdade, todas, mas nem todas admitem - sempre reclama de alguma coisa? É o casamento que não vai bem, os filhos que não querem saber de estudar, a faxineira que falta mais do que vai e você não sabe o que fazer porque ela é de confiança, e arranjar outra é muito difícil hoje em dia, o cabelo que não fica do jeito que você gostaria, o emprego que não nos dá o devido reconhecimento... As reclamações são muitas. 

O problema é que, diante dessas insatisfações, a maioria das pessoas se paralisam, ficam acuadas e engessadas, e a situação não muda: não se busca dialogar os problemas do casamento com o cônjuge e por conta disse vive-se numa infinita infelicidade (e insatisfação, por conseguinte), não se busca dialogar com os filhos da geração iTudo, e só se fala com eles aos berros, não se busca trocar de faxineira por pena ou medo de uma causa trabalhista... Enfim. E aquelas que fazem por onde mudar, agem muitas vezes como radicais, não sobrando pedra sobre pedra e deixando mortos ou feridos embaixo dos escombros. Claro que algumas pessoas buscam mudar com diligência, paciência e serenidade, mas essas são raras, ou ninguém percebe pra onde estão indos as relações humanas nos dias de hoje?

Para não destruir o filme para aqueles que ainda não o viram, apenas um comentário sobre as conclusões a que se chegam a partir dele: insatisfeitos, todos somos, e seremos sempre. Para bons e maus caminhos, ou mesmo para que direção, não se sabe, mas é o que nos move. Ao assistirmos Meia-noite em Paris, compreendemos que sempre teremos algo a dizer e reclamar da vida que vivemos, tenha ela mais ou menos dores que muitas outras pessoas ou povos. 

Ao final do filme, quando a gente tem a sensação de que algo novo vai acontecer com o escritor após a descoberta de um novo sentimento, o filme acaba. As letras começam a subir e você se pergunta, Como assim, o filme acabar agora? E essa história que ia ser iniciada, foi pra onde?

Querem saber pra onde, meus caros? Foi pra um lugar chamado futuro, para o qual não existem previsões 100% acertadas e sobre o qual nada se conta e nem se pode emitir opinião. E o motivo disso é na verdade bem simples: não importa se somos mais ou menos insatisfeitos, é hoje, e só podemos exigir algo da vida - na verdade, de nós mesmos - quando fazemos a nossa parte. Afinal, seu futuro será, já já, o seu presente, quando então outros futuros se farão. Só se chega ao futuro vivendo o agora.
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