O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion

Costumo fazer meus escritos num computador antigo, que já tem quase dez anos, e que demora uma eternidade pra se desligar. 



Não sem frequência, fico ali, na frente dele, estático, esperando que a luzinha verde piscando se apague, indicando que posso dobrá-lo e desligá-lo abaixo da mesa. Ao fim de alguns minutos, ela pisca duas vezes e se apaga, e ouve-se a máquina do computador deixando de funcionar. Todas as vezes que vejo a tal luzinha se apagando, penso na ideia de morte. Costuma vir à minha mente: será que ele voltará a se ligar, numa próxima vez? Talvez não. E ele fica todo silencioso, como um bichinho morto.

Tudo o que é finito me apraz, tenho um enorme carinho pela extinção porque ela é a maior característica de tudo o que nos cerca: tudo acaba. Bicho, coisa, homem - nada escapa do fim, da inexistência. E tratar desse assunto não é ser deprimido - melancólico, talvez - , é, outrossim, querer perscrutar o Mistério, entender-se, já que não se entende o que não se conhece. E aceitá-lo, com os braços abertos.

Por ser esse um tema tão caro a mim, a finitude sempre ocupa espaços nas minhas leituras. Foi então que, há alguns dias, chegou-me ao conhecimento que Joan Didion, uma notável ensaísta norte-americana, reconhecida por seu jornalismo literário e seus romances, havia escrito um livro sobre a morte do marido, ocorrida no dia 30 de dezembro de 2003. Uma outra escritora, a brasileira Vanessa Barbara (autora de O Verão do Chibo, ed. Alfaguara), foi quem o apresentou a mim e aos seus leitores através de uma coluna que publica mensalmente no blog da editora Companhia das Letras. 

O livro relata, em vinte e dois capítulos, o momento da perda do seu esposo, o também escritor John Dunne, e, a partir daí, como ela teve que lidar com uma vida para a qual não estava preparada: a vida observada pela janela da ausência.

Neste meio-tempo, Joan tem que lidar com a internação da filha, Quintana, que está hospitalizada com uma doença misteriosa (e que viria a falecer um ano e meio depois do pai, tendo motivado a autora a escrever um outro livro de memórias, dessa vez a respeito da filha e do envelhecimento, chamado de Noites Azuis (na verdade, um trocadilho intraduzível, já que blue, em Inglês, também significa triste). 

A autora faz deste um grandioso livro de memórias. Escrevendo de uma maneira fabulosa, Didion relembra o casamento não de uma forma romântica, mas, sem dúvida, de uma maneira etérea, sublime, e como é viver meio enlouquecida pela ausência do companheiro, com quem dividia tudo, da cama, ao escritório, à narrativa dos seus sonhos enquanto tomavam café da manhã, aos planos de toda uma vida, e de quem, por quase quarenta anos, quase nunca se separou (exceto quando tinha que fazer um trabalho, coisa de uma ou duas semanas). 

É um livro lindo, imensamente reflexivo, e que nos faz deixar a leitura com a certeza de que ninguém escapa dos sofrimentos da vida, mas que esta pode ser plena e bela.

Terminada a leitura, ainda agarrado com o livro, me pus a refletir sobre a beleza de viver e a beleza do morrer. Sim, porque ambos são belos e simbólicos. É um ciclo que se conclui, uma vida que abre passagem para outra vida. 

Mais do que uma homenagem ao marido morto e uma forma de expurgar a dor que habita dentro de si, Didion mostra seu respeito à morte, sua reverência diante daquilo que é tão grandioso que foge à nossa compreensão. Você pode ter suas crenças em relação ao assunto, pode ter estudado em diversos livros e filmes como as pessoas, as sociedades, costumam lidar com a questão. Mas certeza, das certezas inefáveis, não há quem tenha. 

A morte é, portanto, Deus.

E Didion entrega para nós, leitores, o seu livro sagrado.


(*Um agradecimento especial à Vanessa Barbara, que colocou mais um ladrilho nessa estrada que percorro).

Didion, foto mais recente
A autora, na juventude


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2 Comentarios "O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion"