Da nostalgia dos amores pretéritos

Da nostalgia dos amores pretéritos



Saí de casa dia desses sem pretensões, e fui esbarrar na livraria Cultura, lugar onde grande parte dos vendedores já me conhece pelo nome, de "tão pouco" que ando por lá.

Ao caminhar pelas muitas prateleiras, deparei-me com uma antiga paixão: um DVD de uma banda chamada The Pretenders, da qual comecei a gostar ainda lá pelos doze anos, e numa paixão sem medidas que foi adentrando pela adolescência e rapidamente chegou até a idade mais jovem da fase adulta da minha vida. Passei quase 15 anos em uma paixão plena. Por eles, viajei metade do país num ônibus, numa época em que eu não tinha dinheiro pra pagar viagem de avião; fiz meus grandes amigos irem num show da vocalista - Chrissie Hynde - que teve aqui em Fortaleza, e o mais interessante de tudo: vivenciei um grande amor, eu diria até que o namoro em que sinto que fui mais profundamente amado, durante essa época da minha vida.

Pode até ser que eu seja mais amado hoje, não sei, cada pessoa que entra em nossas vidas demonstra o amor de uma forma diferente, (e bem sei que demonstrações exacerbadas não garantem amor eterno nem verdadeiro, embora saiba - e sinta - que explicitar bem-querer só faz bem ao casal) de modo que é uma incógnita. Mas a sensação é essa. 

Por idos de 2002, num amor jovem - mas não juvenil - , já tão forte e intenso, lembro-me que os CDs da banda já eram dificílimos de encontrar. No entanto, vez por outra eu recebia um. Como? A outra parte fazendo mágicas, vasculhando reentrâncias, galerias, os lugares mais obscuros da cidade, para encontrá-los. E os encontrou. Hoje, tenho todos. Só um ou dois comprei. Todos os mais difíceis, esgotados, recebi. Não precisa dizer que cada vez mais o Amor também se apoderava de cada reentrância minha, a ponto de fazer enormes planos para o futuro, de querer casar, essas coisas todas. 

O namoro - não o Amor - acabou, entretanto. Durou o que podia ter durado, sendo dois seres que se amavam ainda tão jovens, tão ingênuos das coisas do coração, tão imaturos para compreender que certas coisas têm de ser encaradas com parcimônia, diligência, paciência e devoção. Acabou-se, depois de muito drama, inúmeras idas e vindas. Um dia foi e nunca mais. 

Assim foi que hoje, mais de uma semana depois de ter comprado o DVD da banda, que é o registro de um show de 2010 em Londres, resolvi assisti-lo. Eu o havia comprado por pura nostalgia. Era o único DVD deles que eu ainda não tinha. 

Agora entendo porquê retardei tanto assisti-lo. Lembro de ter pensado que não havia gostado tanto assim da lista de músicas, e deixei-o de lado. Só que, ao apertar o play, compreendi a verdadeira razão: Chrissie Hynde começou a cantar, e tudo voltou. Os cheiros, os gostos, as risadas, as lembranças das surpresas, o dormir junto, a troca de olhares apaixonados, tudo o que essa banda representou naqueles anos de namoro, sobretudo porque ela era a minha maior e melhor trilha sonora.

Foi então que me dei conta de que, não importa quanto o tempo passe, há coisas que não são enterradas. São superadas, porque há de se continuar vivendo, e logo eu, que acredito piamente na capacidade transformadora do Amor, não iria viver de memórias. Mas confesso que não deu. 

Desliguei o DVD lá pela quinta música, quando há pelo menos umas duas meu cérebro já não estava mais ali, naquele show à minha frente. As imagens que se faziam presentes eram a de todas as lembranças de mais de dez anos atrás. 

Tal como pais que nunca desarrumam o quarto do filho morto, existem memórias tão pungentes que não conseguimos ir lá e desarrumá-las. 

Hoje, nem grandes amigos, nem inimigos, morando longe, cada qual com sua vida estabelecida, sabemos que foi algo infinitamente belo, que ficou. Ficou para nos ensinar, e certamente nos ensina ainda, muita, muita coisa. Inclusive coisas que não queremos para nós mesmos, o que por si só já é de um valor incomensurável.

Não esquecer o passado não quer dizer que ele ainda seja presente. Quer dizer que, ao sabermos que terminou ali um ciclo, convocamos o que há de mais forte e verdadeiro em nós mesmos para não repeti-lo. Porque passados dez anos, sou muitos outros dentro daquele mesmo Marco. Sou um homem melhor, embora ainda repleto de falhas, e sei que algumas convicções que eu tinha mudaram, porque pessoas que surgiram na minha vida me fizeram mudar, seja pra melhor ou pra pior. E algumas outras simplesmente permanecem as mesmas. Como continuar a acreditar na doçura do Amor, na amizade, num mundo menos injusto. 

Há coisas para as quais não consigo voltar. Ver um DVD dos Pretenders sem lembrar daquela época é uma delas. E há coisas para as quais o que volta é o coração - e me puxa de volta para o presente, fazendo de mim um homem melhor para quem agora caminha comigo. 

E que sei e sinto que pode e é, sim, o amor que sempre almejei pra mim.